A manipulação de competições: como investigar?
Ninguém duvida da gravidade da patologia que constitui a manipulação de competições e resultados desportivos. É doença que ataca, bem fundo, o essencial da competição: a imprevisibilidade do seu resultado. Assim, surge o descrédito do desporto e a desconfiança nos agentes e organizações desportivas. Por outro lado, as sequelas no todo societário obrigam os poderes públicos a assumir a questão com mais alargado alcance. Não estamos, pois, perante um problema localizado no desporto e com implicações a ele limitadas, estamos já no plano da criminalidade projectada na sociedade como um todo.
A este propósito foi recentemente publicado um relevante documento sob a égide da ONU (United Nations Office on Drugs and Crime), em colaboração com a Interpol e o Comité Olímpico Internacional, intitulado "Investigation of Cases of Competition Manipulation: A Practical Guide". Na sua elaboração, registe-se, participaram João Paulo Almeida (director-geral do Comité Olímpico de Portugal) e Joana Gonçalves (Gestora de Integridade, também do COP).
Como mera informação, destacamos aqui os passos que o guia percorre, de forma a sensibilizar o leitor para a obtenção desse conhecimento, particularmente os operadores desportivos. No espaço introdutório dá-se conta das razões que ditam a importância da investigação neste domínio, bem como do objectivo do guia e da melhor forma de o usar. Segue-se a aproximação ao conceito de manipulação de competições e à sua tipologia.
Um outro espaço é dedicado às considerações nucleares para investigar a manipulação de competições. Propósito de uma investigação, temas a considerar aquando do início de uma investigação e relação entre justiça criminal e organizações desportivas, princípios éticos a seguir na investigação, prova e lei relevante a aplicar (lei penal e regulação desportiva).
No ponto 4 do guia alude-se à investigação da manipulação das competições, abordando o seu início quer na justiça criminal, quer nas organizações desportivas, os passos a seguir para uma efectiva investigação e a selecção da equipa de investigação e a determinação dos respectivos papéis, provas, confidencialidade e partilha de informação.
Aspecto importante é tratado no ponto 4.6. do guia e prende-se com a coordenação entre as investigações criminais e desportivas.
Sobre as técnicas de investigação e aproximação a casos de manipulação ocupa-se o ponto 5 do guia. Dê-se conta ainda, para além do espaço dedicado à conclusão da investigação, da existência de um conjunto de anexos (riscos que envolvem a investigação, tipos de apostas desportivas, modelo de relatório preliminar de investigação e modelo de relatório de investigação).
O guia é tão mais actual quando se encontra para promulgação do Presidente da República o Decreto da Assembleia da República n.º 123/XV, que estabelece o regime jurídico da integridade do desporto e do combate aos comportamentos antidesportivos e revoga as Leis n.ºs 112/99, de 3 de Agosto e 50/2007, de 31 de Agosto. Aí, se prevê, no seu artigo 9.º, o surgir da plataforma nacional destinada ao tratamento da manipulação de competições, órgão colegial que funciona junto da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária (UNCC), coordenada pelo director da UNCC.
Entre as suas competências, destacamos agora a de coordenar a luta contra a manipulação de competições desportivas, funcionar como um centro de informação, recolhendo e transmitindo informação relevante sobre manipulação de competições desportivas de e para organizações e autoridades competentes em matéria de prevenção e repressão destes comportamentos, designadamente autoridades judiciárias, policiais, desportivas, governamentais e de regulação do mercado do jogo com vista à actuação na respectiva área de competências e a de cooperar com organizações e autoridades competentes, a nível nacional e internacional, nos termos da legislação em vigor, na partilha de informações no contexto de investigações criminais, bem como de inquéritos disciplinares desportivos ou do exercício de competências pelas autoridades de regulação do mercado de jogo e apostas desportivas.