Afinal, cada dedo das mãos de uma pessoa não tem impressões digitais únicas

Cerca de 60 mil impressões digitais de um banco de dados foram analisadas com a ajuda da inteligência artificial.

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Mapa de saliências destaca as áreas semelhantes entre duas impressões digitais de dedos diferentes da mesma pessoa Gabe Guo/Universidade de Colúmbia
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Uma antiga crença das ciências forenses foi destruída: afinal, as impressões digitais de diferentes dedos da mesma pessoa são semelhantes. Engenheiros da Universidade Colúmbia, em Nova Iorque, descobriram com recurso à inteligência artificial (IA) que não são únicas as impressões digitais de diferentes dedos da mesma pessoa, divulgou agora a instituição.

O trabalho, publicado na Science Advances, revista da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), mostra que aquelas “impressões digitais intrapessoais (...) são semelhantes”, mas que a sua comparação tem estado a ser feita “de maneira errada”.

“Não são só os detectives da série norte-americana Lei & Ordem ou os cientistas forenses da CSI, sobre a investigação de cenas de crime, que usam as impressões digitais como padrão para ligar criminosos a um crime. Na vida real os investigadores também o fazem”, refere um comunicado da Faculdade de Engenharia e Ciências Aplicadas da Universidade Colúmbia.

Mas se um perpetrador deixar impressões digitais de dedos diferentes em duas cenas de crime é muito difícil relacioná-las e o rasto pode desaparecer, adianta-se. “É um facto bem aceite na comunidade forense que as impressões digitais de diferentes dedos da mesma pessoa — impressões digitais intrapessoais — são únicas e, por conseguinte, incomparáveis”, acrescenta a nota.

Banco de dados com 60 mil impressões digitais

A equipa que realizou o trabalho foi liderada por Gabe Guo, aluno do último ano de engenharia na Universidade de Colúmbia, sem conhecimento prévio de ciências forenses.

Gabe Guo encontrou um banco público de dados do Governo dos Estados Unidos com cerca de 60 mil impressões digitais e inseriu-as aos pares num sistema baseado em IA, conhecido como rede contrastiva profunda”. Os pares podiam pertencer à mesma pessoa (mas de dedos diferentes) ou a pessoas diferentes.

Com o tempo, o sistema de IA, que a equipa projectou modificando uma “estrutura de última geração”, melhorou a capacidade de detecção das impressões digitais que pertenciam à mesma pessoa e das que não pertenciam.

“A precisão para um único par atingiu os 77%. Quando estavam em causa múltiplos pares o grau de precisão era significativamente maior, aumentando potencialmente em mais de dez vezes a eficiência forense”.

Por outro lado, Gabe Guo percebeu que a IA “não utilizou os padrões usados na comparação tradicional de impressões digitais, as “minúcias(“ramificações e extremidades das cristas das impressões digitais”), mas sim algo “relacionado com os ângulos e curvaturas das espirais no centro da impressão digital”.

Absolver pessoas inocentes

A publicação dos resultados deste projecto — uma colaboração entre os laboratórios Creative Machines, dirigido pelo engenheiro Hod Lipson, e Embedded Sensors and Computing, de Wenyao Xu, professor na Universidade do Estado de Nova Iorque em Buffalo — foi rejeitada mais do que uma vez, a primeira das quais por uma revista forense.

Hod Lipson recorreu da segunda rejeição, considerando que a “descoberta era demasiado importante para ser ignorada”.

Embora a precisão do sistema não seja suficiente para decidir oficialmente um caso, pode ajudar a priorizar pistas em situações ambíguas. “Se esta informação fizer pender a balança, penso que casos arquivados poderão ser reabertos e mesmo que pessoas inocentes poderão ser absolvidas”, referiu Hod Lipson, citado no comunicado.

Apesar de os autores do estudo terem apresentado provas de que o sistema de IA tem um desempenho semelhante em relação aos diferentes géneros e etnias cujas amostras estavam disponíveis”, estão cientes da possível parcialidade dos dados.

Assim, consideram que é necessária “uma validação mais cuidadosa, utilizando conjuntos de dados com cobertura mais ampla”, antes de a técnica ser usada na prática.

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Se um perpetrador deixar impressões digitais de dedos diferentes em duas cenas de crime é muito difícil relacioná-las MICHAELA REHLE/Reuters

Uma “explosão” de descobertas científicas no horizonte

Para Aniv Ray, estudante de engenharia da Universidade Colúmbia que ajudou a analisar os dados, este é apenas o começo: “Imaginem o desempenho que isto [o sistema] terá quando for treinado em milhões, em vez de milhares de impressões digitais.”

Em comunicado, Hod Lipson realça que este é um exemplo das descobertas surpreendentes que a IA poderá ajudar a desvendar. “Muitas pessoas pensam que a IA não pode realmente fazer novas descobertas que se limita a regurgitar conhecimentos”, diz Hod Lipson. “Mas esta investigação é um exemplo de como mesmo uma IA bastante simples, com um conjunto de dados bastante simples que a comunidade de investigação tem há anos, pode fornecer informações que iludiram os especialistas durante décadas”.

O engenheiro salienta ser “ainda mais empolgante” o facto de um estudante universitário, sem qualquer formação em ciências forenses, poder utilizar a IA para desafiar com êxito uma crença generalizada de toda uma área”. “Estamos prestes a assistir a uma explosão de descobertas científicas conduzidas pela IA por não especialistas e a comunidade de especialistas, incluindo o meio académico, tem de se preparar.”