Qualidade do ar na Avenida da Liberdade piorou em 2023. Porto e Braga melhoraram

Zero pede urgência para travar poluição. Moedas disse, há três semanas, que havia “boas notícias”. Medições na Praça Sá Carneiro, no Porto, e Frei Bartolomeu Mártires, em Braga, revelam melhoria.

Foto
Valores de dióxido de azoto estão piores quando comparados com os de 2022 RG RUI GAUDENCIO / PUBLICO
Ouça este artigo
00:00
07:01

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A qualidade do ar da Avenida da Liberdade, em Lisboa, voltou a piorar em 2023, apresentando valores de concentração de dióxido do azoto (NO2) que ultrapassam em cerca de 16% o valor-limite anual permitido pela legislação nacional e comunitária. Os dados fazem parte de um relatório com os valores preliminares relativos ao ano passado analisados pela associação ambientalista Zero, divulgados esta quinta-feira, e no qual se refere, por contraste, uma “melhoria considerável” nas estações Praça Sá Carneiro, no Porto, e Frei Bartolomeu Mártires, em Braga.

Tais valores na maior cidade do país contrariam as afirmações feitas pelo presidente da câmara, Carlos Moedas (Novos Tempos), na última reunião pública de vereação, em que dava a entender que os níveis de poluição na Avenida da Liberdade haviam baixado. Na altura, referiu-se aos níveis de “óxido de azoto” (NOx), quando comparados com os de 2019. Mas os valores que são, por regra, tomados em conta na aferição dos níveis de poluição são os de dióxido de azoto (NO2) e relativamente ao ano anterior.

E se é verdade que os níveis de NO2 estão melhores quando comparados com 2019 – 55ug/m³ (microgramas por metro cúbico) –, pioraram quando se confronta 2023 com 2022. Os números provisórios da Zero indicam para a Avenida da Liberdade uma média anual de 46,25 microgramas por metro cúbico, quando o valor limite está fixado nos 40ug/m³. Em 2022, a média anual era de 45 ug/m³, ou seja, 12,5% acima do limite legal. Agora está nos 16%.

O incumprimento dos valores da qualidade do ar na principal artéria da capital, que é contínuo desde 2010, com excepção dos anos de 2020 e 2021, marcados pela pandemia, leva a Zero a voltar a denunciar o incumprimento desta estação à União Europeia. E a pedir a tomada de “medidas urgentes” para obviar os efeitos na saúde de um poluente responsável pelo desenvolvimento de problemas respiratórios, como asma e infecções respiratórias, assim como doenças cardíacas, coronárias, acidentes vasculares cerebrais, diabetes e cancro no pulmão.

Os dados agora divulgados pela Zero, relativos a Lisboa, Porto e Braga, resultam de uma observação anual feita das concentrações de dióxido de azoto (NO2) e de partículas inaláveis (PM10) de algumas estações de monitorização geridas pelas comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). “Da análise sobressai o problema recorrente da ultrapassagem do valor-limite anual de dióxido de azoto na estação da Avenida da Liberdade, em Lisboa, e uma melhoria considerável nas estações Praça Sá Carneiro, no Porto, Frei Bartolomeu Mártires, em Braga”, diz a associação, salientando o reiterado incumprimento da mais icónica artéria da maior cidade do país do estabelecido pela legislação nacional e pela Directiva Qualidade do Ar Ambiente (DQAA) da União Europeia.

“A medíocre qualidade do ar em Lisboa já não é novidade. Durante 2023, a situação na Avenida da Liberdade piorou em comparação com o ano anterior, após melhorias circunstanciais em 2020 e 2021, resultado da redução do tráfego devido à pandemia covid-19”, afirma a associação sobre o escrutínio que tem realizado anualmente. “Se compararmos com o valor recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), esse valor é mais do quádruplo do recomendável (até 10ug/m³)”, informa a Zero, lembrando que o continuado incumprimento dos limites, quer em Lisboa, quer nas duas maiores cidades do Norte, bem como a falta de acção e a ausência de medidas adequadas para resolver o problema levaram Portugal a ser acusado e condenado pelo Tribunal Europeu de Justiça em Junho de 2023.

Porto e Braga melhores

Ainda assim, e por contraste com a capital, as estações de medição do Porto e de Braga acabam por apresentar valores relativos a este indicador a permitirem uma perspectiva não tão negativa. No Porto, a Praça Sá Carneiro teve uma média de concentração anual de 31,79ug/m³ de dióxido do azoto (NO2). Isso representa uma melhoria de 2,31 em relação às medições efectuadas em 2022. Já a estação de Frei Bartolomeu Mártires, em Braga, registou uma redução mais expressiva, de 10,82ug/m³, comparativamente com o ano anterior, ficando-se em 2023 pelos 34,22 microgramas por metro cúbico.

Assim, em ambas as cidades, as medições ficam abaixo do limite legal de 40ug/m³. Apesar disso, a Zero salienta que estes resultados “continuam consideravelmente acima dos limites que estão em discussão”, entre Parlamento Europeu, Comissão Europeia e Conselho Europeu, no âmbito da revisão da Directiva Qualidade do Ar Ambiente. Aqueles deverão, gradualmente, alinhar-se com os valores muito mais exigentes recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que hoje estão fixados num limite de 10 microgramas por metro cúbico de concentração de dióxido do azoto (NO2).

Tal revisão dos limites, a concretizar-se, alerta a Zero, levará a “um expectável aumento significativo” de estações de medição da qualidade do ar “que não estarão em conformidade com os futuros valores-limite”. Por isso, e tal como tem feito nos últimos anos, a associação assinala “a urgência de iniciar a implementação de medidas e planos para melhorar a qualidade do ar nos próximos anos”. Em particular, e porque “o transporte rodoviário é o principal causador de poluição do ar nas cidades portuguesas”, apela à rápida adopção de formas de mobilidade suave e ao dar prioridade ao transporte público.

Além disso, sublinha a importância de se lançarem planos de Mobilidade Urbana Sustentável, não apenas a nível urbano, mas também ao nível metropolitano. E não só: é lembrado também o facto de, apesar de o Plano de Melhoria da Qualidade do Ar da Região de Lisboa e Vale do Tejo ter sido aprovado em 2019, não tem ainda, passados cinco anos, um plano de execução que o leve a ter consequências práticas.

E, mesmo a nível da cidade de Lisboa, a Zero critica o que considera ser o desfasamento da realidade da denominada “Zona de Emissões Reduzidas (ZER)”. O sistema criado em 2011, quando António Costa era presidente da câmara, nunca teve o desejado efeito dissuasor da entrada de carros poluentes no centro. “A terceira e última fase da ZER em Lisboa completa este mês nove anos desde a sua implementação e os resultados não estão à vista. Desde 2015 que esta área permanece inalterada, com regras de acesso baseadas em normas de emissões desactualizadas e obsoletas”, diz a associação, que pede uma aceleração da contratação da videovigilância que permitirá, por fim, concretizar as desejadas restrições.

Na reunião pública de vereação de 20 de Dezembro de 2023, o presidente da Câmara de Lisboa disse que as últimas aferições dos níveis de poluição da Avenida da Liberdade traziam “boas notícias”. E afirmou: “Aquilo que são as emissões de óxido de azoto (NOx) baixaram quase dez pontos desde 2019. E, sobretudo, os últimos números que temos, de 2023, indicam ter passado de 55 microgramas por metro cúbico para 46. São números ainda estimados, mas penso que são excelentes notícias.”