Imagem do desastre

Esse desastre — um desastre é sempre um monumento à humanidade — encarnaria o que viria a ser Lisboa, uma cidade de casco virado para contemplação turística.

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Não havendo bilhetes para o Kilas, o Mau da Fita, em vez de irem ao cinema acabaram por ir ver o Tollan, o navio que, depois de colidir contra um cargueiro sueco, se tinha virado no Tejo, mesmo em frente do Terreiro do Paço, tornando-se o tema de discussão e atenção daquele ano e dos dois ou três seguintes, resultando numa das mais badaladas atracções turísticas. Esse desastre — um desastre é sempre um monumento à humanidade — encarnaria o que viria a ser Lisboa, uma cidade de casco virado para contemplação turística. Ou podia ser ainda a imagem de um país encalhado, um destroço evidente, mas de bandulho virado para o céu. Servia também, depois do desamparo dos primeiros anos pós-Revolução, como conforto, mostrando que a culpa dos naufrágios a que assistimos, as desilusões e os sonhos a afundarem-se talvez não sejam culpa nossa ou inteiramente nossa, o caos instala-se espontaneamente e em todo o lado, mesmo quando se faz tudo bem ou pelo bem. Se o declive por onde a política escorregava não era materialmente visível, excepto nas suas consequências, tinha-se ali um reflexo material da desilusão, ainda que de uma forma lúdica, ou assim o entenderam muitos portugueses. É possível tirar fotografias a um barco ao contrário, mas a um sonho desfeito é difícil.

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