O espaço foi em tempos o refeitório dos trabalhadores da Manutenção Militar, a enorme fábrica do Beato, em Lisboa, onde se faziam massas, bolachas e pão para abastecer os militares portugueses. Agora, depois de muitas voltas da História – no chão, à entrada, está gravada uma data, 1933 – voltam a servir-se aqui refeições e, naturalmente, o novo restaurante foi baptizado como Refeitório.
Integrado no projecto A Praça, no Hub Criativo do Beato, o restaurante tem à frente da cozinha o chef Glediston Santos, conhecido como Titon, e aposta nos bons produtos portugueses, tentando manter preços acessíveis. “Seguimos o princípio de que é melhor servir cem pessoas a um euro do que uma pessoa a cem euros”, sublinha Cláudia Almeida e Silva, responsável pela gestão d’A Praça.
Quando aqui se fala de bons produtos portugueses não é apenas um chavão que vai sendo habitual um pouco por todo o lado – desde o início que o trabalho da Praça, que ocupa uma pequena parte do Hub, se tem centrado numa relação de proximidade com os produtores.
Em cima do balcão da cozinha aberta estão, por isso, alguns dos produtos que Titon usa na carta – no dia da nossa visita há cogumelos, arroz da Aparroz e diversos tipos de abóboras – e que os clientes podem comprar na mercearia da Praça, do outro lado da rua interior que separa os dois edifícios deste projecto.
Já iremos atravessar essa rua para ver o que há do outro lado, mas, para já, a novidade é o Refeitório, que abriu em Dezembro, e onde se manteve a estrutura original do edifício, com as elegantes naves mestras e asnas no tecto, às quais se junta agora, ocupando grande parte da parede, uma obra do artista plástico Francisco Vidal, inspirada pela história da Manutenção Militar, e, sobre as mesas, a iluminar o centro da sala, potes de barro invertidos e transformados em candeeiros.
Titon vai-nos explicando como foi pensada a carta, para a qual partiu de um receituário tradicional, que foi personalizando com detalhes. “Aqui nas entradas começamos por um lado mais regional, com a cenoura algarvia, mas, para darmos um pouco da identidade da Praça, servimo-las inteiras [7€]. No caso dos peixinhos da horta [6€], em vez de usarmos sriracha na maionese, usamos pimenta da terra dos Açores. Nesta outra entrada fazemos um terra-mar vegetal, com húmus de beterraba e uma patanisca, feita com farinha de grão, de erva-patinha, uma alga que se usa nos Açores.”
Já sentados à mesa, chega-nos um dos pratos mais invernosos, os cogumelos, de vários tipos, com castanha, sendo que, nota Cláudia Almeida e Silva, a preocupação foi usar castanha certificada como biológica Soutos da Devesa, de Trás-os-Montes, e procura-se, sempre que possível, dar essa informação aos clientes. “Dizemos, por exemplo, que o cabrito [64€, é um quarto do animal e dá para duas ou três pessoas] é transmontano, muita gente não sabe que temos em Portugal este cabrito da Associação Nacional de Caprinicultores de Raça Serrana, que é certificado.”
Provamos ainda o arroz de míscaros (16€), que no final “leva um toque cítrico para dar uma emoção”, explica o chef, e a deliciosa barriga de porco bísaro, a desfazer-se na boca – “são seis horas de forno e aqui no serviço finalizamos com uma temperatura mais alta para a pele ficar crocante” –, acompanhada por um arroz cremoso de abóbora. E a couve lombarda de rabo de boi (17€), em que “a ideia foi trocar as voltas à couve com salsicha fresca”. Para tal, usam “a salsicha do Talho das Manas por cima do puré e dentro da couve temos rabo de boi estufado”.
Uma brincadeira semelhante surge também na sobremesa, uma das criadas pelo chef pasteleiro João Picão: o clássico Romeu e Julieta (queijo e marmelada) foi a inspiração para uma tarte basca feita com queijo Serra da Estrela e que é acompanhada por uma geleia da época (de momento, abóbora).
Por provar ficou, por exemplo a cataplana de peixe e marisco (42€, duas pessoas), com produto trazido pela Nutrifresco, garantia de qualidade, ou o bife de lombo à casa (24€), com batatas de Raul Reis, outro produtor de referência. Mas, justificamos, era preciso deixar motivos para voltar.
Cláudia garante que motivos não faltarão, até porque, para além de um almoço ou jantar no Refeitório, a Praça tem, no edifício em frente, que visitamos agora, a sua própria padaria com pão e bolos feitos de raiz (o que faz todo o sentido, tendo em conta a história deste espaço, uma indústria alimentar com base nos cereais) e, para além da mercearia, um espaço de bar com pratos mais simples, vinhos e, a partir do início deste ano, concertos que, promete, trarão ao Beato “novos artistas e música do mundo, em ligação com a oferta gastronómica”.