Pintura impressionista extorquida pelos nazis irá manter-se no Museu Thyssen
Tribunal californiano decide que a obra de Camille Pissarro não será devolvida aos descendentes de Lilly Cassirer Neubauer, obrigada a ceder o quadro em troca de um visto de saída da Alemanha nazi.
O Estado espanhol devia ter renunciado voluntariamente à pintura, mas a letra da lei conduziu a outro desfecho. Ou seja, Rue Saint-Honoré dans l’après-midi. Effet de pluie, pintada em 1897 por Camille Pissarro, manter-se-á definitivamente no Museu Thyssen-Bornemisza, em Madrid. Assim sentenciaram os juízes de Pasadena, Califórnia, aos quais coube deliberar sobre o (aparentemente) derradeiro recurso dos descendentes de Lilly Cassirer Neubauer – pretendiam a devolução da obra impressionista que a sua antepassada, judia, foi obrigada a ceder às autoridades nazis em 1939, em troca de um visto de saída do país.
A decisão unânime do trio de juízes de Pasadena parece pôr fim a uma saga judicial de quase 20 anos. Foi em 2005 que Claude Cassirer interpôs num tribunal americano um pedido de restituição da obra pintada por Camille Pissarro durante uma estadia em Paris (a perspectiva retratada é aquela que o pintor tinha da janela do seu quarto de hotel), e adquirida pelo sogro de Lilly Cassirer Neubauer em 1900. Depois da venda coerciva de 1939, por 900 marcos (cerca de 329 euros), seria reclamada pela Gestapo em 1943, chegando aos Estados Unidos oito anos depois. O barão Heinrich Thyssen-Bornemisza adquire-a finalmente em Nova Iorque, em 1976, por 276 mil euros, incluindo-a na colecção que virá a passar para o Estado espanhol e que actualmente recheia o Museu Thyssen, inaugurado em 1993.
A família de Lilly Cassirer Neubauer desconhecia o trajecto da pintura – em 1958, o Estado alemão chegara mesmo a indemnizá-la em 120 mil marcos, valor de mercado de obra julgada irremediavelmente perdida. Thyssen, por sua vez, não sabia estar a adquirir um quadro extorquido pelos nazis a uma judia alemã. “O barão Thyssen-Bornemisza não tinha ‘verdadeiro conhecimento’ do roubo”, tendo em conta “que adquiriu a pintura pelo seu justo preço de mercado, a um negociante de arte credível e, seguidamente à aquisição, manteve-a em exposição pública”, considerou o tribunal de segunda instância de Pasadena responsável por julgar o caso em 2020. Porém, um recurso dos Cassirer no Supremo Tribunal dos Estados Unidos levou a uma reversão da decisão, à luz das regras de determinação da lei aplicável em caso de conflito entre legislações nacionais.
De volta aos tribunais de Pasadena, o caso passou a centrar-se na definição de qual das legislações, a espanhola ou a californiana, deveria reger a decisão final sobre a propriedade do quadro. A lei do estado da Califórnia determinaria a devolução; caso o tribunal decidisse pela supremacia do quadro legal espanhol, Rue Saint-Honoré dans l’après-midi. Effet de pluie manter-se-ia em Madrid. Os três juízes decidiram aplicar o quadro legal espanhol.
"O tribunal concluiu que, à luz dos factos, os interesses governamentais de Espanha [em assegurar a ‘garantia de propriedade’ aos seus museus] seriam mais prejudicados pela aplicação da lei da Califórnia do que os interesses governamentais da Califórnia [em recuperar arte roubada, propriedade de residentes no estado] seriam prejudicados pela aplicação da lei espanhola”, diz a sentença, citada pelo ABC.
Considerando que o Estado espanhol deveria ter devolvido voluntariamente o quadro, a juíza Consuelo Callahan reconhece que a lei conduziu a outro desfecho. “Gostaria que tivesse sido de outra forma”, escreveu, citada pela Reuters.
Dado por encerrado em 2020, considerado concluído agora, 19 anos depois, o caso poderá, porém, vir ainda a conhecer um derradeiro desenvolvimento, dado que os advogados dos Cassirer planeiam pedir a revisão da sentença a um colectivo de juízes de Pasadena. “Os Cassirer acreditam que, especialmente à luz da explosão de anti-semitismo neste país e em todo o mundo, devem desafiar a insistência de Espanha em albergar arte saqueada pelos nazis”, declararam.