Devemos parar de beber água engarrafada? Como evitar nanoplásticos?

Estudo científico publicado esta semana mostra que a água engarrafada pode conter milhares de nanoplásticos. Quais são os impactos na saúde humana? O que podemos fazer?

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O consumo de água engarrafada é desencorajado por razões ambientais ligadas à produção de resíduos plásticos Engin Akyurt/Unsplash
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Um estudo científico, publicado esta segunda-feira na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), mostrou que a água engarrafada nos Estados Unidos (EUA) pode conter entre 110 mil e 370 mil partículas em cada litro da bebida, das quais 90% correspondem a nanoplásticos e o restante a microplásticos. E em Portugal? É seguro beber água engarrafada? Devemos preferir a água da torneira? Quais são os efeitos da ingestão de nanoplásticos na saúde humana? Reunimos abaixo algumas respostas sobre a contaminação por plásticos na água potável.

O que o estudo científico da PNAS traz de novo?

A presença de fragmentos de plástico na água potável, sendo ela da torneira ou engarrafada, não é uma novidade. Um estudo de 2018, por exemplo, analisou 259 garrafas de água oriundas de nove países e detectou a presença de 325 partículas de microplásticos por litro. Estudos posteriores encontraram valores superiores.

O que este estudo da revista PNAS traz de novo reside na capacidade de, através de uma nova abordagem técnica, identificar e contabilizar a presença de nanoplásticos na água engarrafada. Trata-se de partículas muito menores que os microplásticos. É a primeira vez que os cientistas quantificam e classificam os minúsculos fragmentos invisíveis neste líquido.

Um litro de água engarrafada apresenta em média cerca de 240 mil fragmentos de plástico detectáveis, uma quantidade 10 a 100 vezes maior do que se imaginava a partir de estimativas prévias, sugere o artigo publicado esta segunda-feira.

Devemos parar de beber água engarrafada?

A associação ambientalista Zero sempre desencorajou o consumo de água engarrafada. Esta organização considera que não faz sentido produzir lixo plástico quando existe, em Portugal, água tratada, própria para o consumo humano, disponível na maioria das torneiras.

“Independentemente dos resultados deste estudo, a Zero tem vindo a defender que o que faz sentido é consumir água da torneira e reduzir o consumo de água engarrafada ao estritamente necessário, tendo em conta a boa qualidade da água da torneira em Portugal e os impactes associados ao consumo excessivo de água engarrafada, sobretudo no que toca à produção de resíduos de plástico”, refere Sara Correia, da Zero.

Já a Associação Portuguesa dos Industriais de Águas Minerais Naturais e de Nascente garante que águas embaladas e distribuídas no país são “seguras para beber, de acordo com os parâmetros mais exigentes que vigoram na União Europeia”.

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Um litro de água engarrafada apresenta em média cerca de 240 mil fragmentos de plástico detectáveis, sugere estudo Engin Akyurt/Unsplash

Os representantes deste sector argumentam que o estudo da PNAS se foca no mercado dos Estados Unidos, onde “as águas engarrafadas têm, maioritariamente, origem em fontes de águas superficiais, sendo tratadas e purificadas antes do engarrafamento”, lê-se num comunicado divulgado na terça-feira.

A nota de imprensa explica ainda que, ao contrário dos EUA, em Portugal as águas minerais naturais e de nascente “têm sempre origem subterrânea”, não precisando, portanto, de passar por filtros de nylon para serem purificadas.

A água da torneira é menos segura que a engarrafada?

Um relatório das Nações Unidas divulgado em 2023 assegurava que a água engarrafada não é mais saudável que a da torneira. E frisava que a ideia de que “a água engarrafada é mais segura do que a da torneira precisa de ser questionada”. Este sector económico envolve a venda anual de 350 mil milhões de litros de água tratada, o que gera 25 milhões de toneladas de resíduos plásticos. É uma das indústrias mais dinâmicas, crescendo mais rapidamente do que qualquer outra dentro do domínio alimentar.

Quais são as alternativas?

Garrafas de materiais inertes, como o metal e o vidro, são boas alternativas. Além de poderem ser reciclados inúmeras vezes, o metal e o vidro não lixiviam, ou seja, não libertam compostos químicos potencialmente nocivos para a saúde. “É claro que o metal deve ser de boa qualidade”, recomenda Paula Sobral, bióloga do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (Mare) e professora da Universidade Nova de Lisboa.

“Sou da opinião de que devemos beber a água da torneira e levar água connosco numa garrafa de vidro ou metal. Há situações esporádicas em que bebemos água engarrafada – quando vamos a um restaurante e este produto está incluído no menu, por exemplo. Mas eu não reutilizo essa garrafa, até por uma questão de saúde e higiene, pois a nossa boca está cheia de bactérias. Prefiro que a garrafa de plástico vá para o ecoponto amarelo, para que seja reciclada”, afirma Paula Sobral, especialista em microplásticos.

A Operação Gota d’Água não minou a confiança na água da torneira?

“Certamente que os resultados da Operação Gota d’Água não favorecem a confiança dos consumidores relativamente à qualidade da água da torneira, particularmente se tivermos em conta que essa desconfiança já existia, ainda que associada a alguns mitos relacionados com o sabor, a coloração da água e a presença de cloro, e que já fazia de Portugal um dos países europeus com maior consumo per capita de água engarrafada”, acredita a ambientalista Sara Correia.

A investigação Operação Gota d’Água concentra-se na “actividade fraudulenta” de um laboratório em Mirandela, em Trás-os-Montes, responsável pela colheita e análise de águas, incluindo as destinadas ao consumo humano. A Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) tomou medidas cautelares após a operação judicial, suspendendo o selo de qualidade a oito fornecedores. O laboratório em causa já foi encerrado.

A associação Zero acredita que essa desconfiança tem de ser combatida com maior fiscalização por parte da ERSAR e com “mais transparência por parte das entidades gestoras relativamente ao controlo de qualidade da água que colocam nas redes de distribuição.

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Um relatório das nações Unidas diz que a indústria da água se tornou um sector económico pujante e lucrativo em apenas cinco décadas Jonathan Chng/Unsplash

Quais são os efeitos dos fragmentos de plástico na saúde humana?

Existem vários estudos que associam os fragmentos de plástico a potenciais efeitos nocivos na saúde humana. Muitos destes trabalhos são laboratoriais, recorrendo por exemplo a linhas celulares, uma vez que há questões éticas que limitam tais experiências em seres humanos. “São modelos que ‘imitam’ partes do corpo humano”, esclarece a bióloga Paula Sobral.

“Vários artigos têm reportado que os nanoplásticos estão associados à indução de processos inflamatórios, que podem desenvolver mais tarde doenças auto-imunes ou doenças cancerígenas. Mas, evidentemente, não podemos fazer uma associação directa, não podemos dizer que os nanoplásticos provocam cancro. Simplesmente não sabemos”, refere a investigadora do Mare.

Os plásticos são materiais que se vão degradando, fragmentando-se em partículas cada vez menores. Os nanoplásticos são muito, mesmo muito menores que os microplásticos (que já são, por sua vez, mais pequenos do que um grão de arroz). São tão minúsculos que podem atravessar tecidos e até chegar ao sangue.

Chegados à corrente sanguínea, os nanoplásticos podem “viajar” pelo corpo e chegar a órgãos vitais, como o cérebro. Já foram encontrados pedacinhos de plástico até no leite materno, o que sugere a hipótese de estarmos a ingerir estes contaminantes desde o nascimento.

Quais são as outras fontes de fragmentos de plásticos que podemos estar a ingerir?

Todos os objectos de plástico são susceptíveis de libertar fragmentos mais tarde ou mais cedo. “Se existe contacto com o plástico, de certeza que haverá microplásticos ou nanoplásticos em algum momento”, diz a bióloga Paula Sobral. Esta lógica aplica-se, portanto, não só a todos os recipientes que usamos para acondicionar comida, como aos utensílios de cozinha que usamos para preparar refeições.

É o caso, por exemplo, das tábuas para cortar alimentos. Um estudo de 2023 sugere que tais superfícies de plástico podem transferir anualmente até 50,7 gramas de microplástico para a comida que ingerimos.

Podemos evitar totalmente os fragmentos de plástico?

Provavelmente não. Os plásticos são omnipresentes, fragmentando-se e persistindo no ambiente. Estão no ar, na água, na comida. Não sendo possível viver num lugar completamente livre de plástico, o foco deve estar na redução da exposição quotidiana.

“[Evitar todos os fragmentos de plástico] é uma quimera tendo em conta a quantidade que já existe no ambiente. Os microplásticos são muito difíceis de remover, e quanto aos nanoplásticos isso é mesmo virtualmente impossível. Os próprios dados de concentrações ambientais são escassos, é uma área que ainda está a desenvolver-se, não temos grandes conclusões”, diz Paula Sobral.

Os plásticos passam para a escala micro e depois para a nano. Qual é o limite?

O limite teórico são os monómeros. Os monómetros são unidades que se ligam formando moléculas maiores, os polímeros, como se fossem “tijolos” que permitem a “construção” de grandes estruturas.