Ex-gestor acusa actual mesa de tomar decisões “gravemente lesivas” para a Santa Casa
Ricardo Gonçalves enviou vários documentos para o Parlamento. Um deles é a resposta à sua destituição, onde revela tudo sobre as empresas criadas para levar a cabo o projecto da internacionalização.
Ricardo Gonçalves, ex-gestor da Santa Casa Global, empresa criada em 2021 para levar a cabo o projecto da internacionalização da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), enviou a todos os grupos parlamentares da Assembleia da República (AR) vários documentos que, no seu entender, visam esclarecer todo o processo de criação de empresas e mostrar como a actual mesa está a tomar decisões “gravemente lesivas” para a instituição.
Entre os documentos está uma resposta à sua destituição. Ricardo Gonçalves e Francisco Costa foram destituídos dos seus cargos em Novembro de 2023 pela actual mesa da SCML, liderada por Ana Jorge, porque “descuraram e violaram manifestamente os seus deveres legais e estatutários”.
No documento agora divulgado, o ex-gestor ataca também a forma como a BDO, consultora que está a levar a cabo a auditoria à Santa Casa Global, foi contratada, não só levantando dúvidas sobre a forma como foi feito o ajuste directo, mas também sobre uma eventual incompatibilidade pelo facto de esta empresa ter sido a mesma que anteriormente certificou as contas da santa Casa Global.
Além disso, ao longo de toda a sua exposição, que é acompanhada de vários documentos, nomeadamente actas e e-mails, Ricardo Gonçalves sublinha que tanto a sua actividade como a do outro gestor da empresa eram fiscalizadas pela mesa da SCML, na altura presidida por Edmundo Martinho.
Na mesa também estava Ana Vitória Azevedo, que era vogal e tinha o pelouro da internacionalização, e que actualmente é vice-provedora. Aliás, o ex-gestor lembra que, até Maio de 2023, Ana Vitória Azevedo foi directora da Nextlot, a empresa no Peru que explorava a lotaria Torito de Oro.
Mas, mais do que isso, na carta de destituição do gestor a actual mesa da Santa Casa também sugere que houve negligência não só nos negócios no Brasil, mas também no investimento na Ainigma, empresa com sede no Reino Unido, que detém a Nextlot, no Peru, e a Ainigma Services, no Canadá. Porém, Ricardo Gonçalves esclarece que este negócio foi preparado muito antes de existir a Santa Casa Global. Explica que o empréstimo obrigacionista que foi feito à empresa Ainigma Services, de cerca de quatro milhões de euros, tinha como objectivo o desenvolvimento de uma plataforma tecnológica que pudesse vir a ser utilizada em Angola e no Brasil. O projecto em Angola não vingou porque a Santa Casa Global não ganhou o negócio. Mas o do Brasil foi considerado como um projecto com potencial porque acabou por ser um dos argumentos que valorizaram a escolha da SCML por parte do Banco de Brasília para uma parceria de jogos e lotarias.
O objectivo também era utilizar essa plataforma em Portugal para reduzir as despesas, uma vez que o contrato actual para este serviço tem um custo para a SCML de mais de 26 milhões de euros ao longo de cinco anos.
Demitido antes da auditoria
O ex-gestor alega ainda que, desde que a actual mesa tomou posse, em Maio de 2023, assumiu uma posição que “não só provocou estes enormes prejuízos financeiros e reputacionais, como não acautelou a sua possível minimização”, sobretudo no Brasil, tendo contribuído para aumentar a dívida.
Na exposição, o ex-gestor alega que a SCML deixou de pagar a fornecedores e até a trabalhadores. “Não avaliou propostas de aquisição que lhe foram apresentadas por empresas, nem quando as mesmas [propostas] permitiriam a continuidade de investimento nas suas actividades, possibilitando a sua preparação para uma eventual alienação de capital”, lê-se entre outras situações.
Ricardo Gonçalves queixa-se de ter sido destituído antes da auditoria à Santa Casa Global estar concluída. Segundo disse, esta terça-feira, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, a BDO tem até ao fim do mês de Janeiro para a concluir.
Ana Mendes Godinho esteve a ser ouvida na Comissão e Trabalho, Segurança Social e Inclusão, na sequência de um requerimento potestativo do PSD precisamente sobre os investimentos da Santa Casa Global. A ministra voltou a afirmar só ter autorizado a constituição da sociedade e não ter tido mais informação, mas admitiu ter recebido um email do anterior provedor da SCML, a 14 de Julho de 2021, onde lhe era dado conta que tinha iniciado “um processo de identificação das diferentes oportunidades de negócio e de selecção de possíveis parceiros”. Godinho disse que também era referido que seria feita uma avaliação à empresa MCE que viria a ser adquirida no Brasil, mas que nunca lhe foi enviada nenhuma avaliação.