Pellets de plástico: Norte de Espanha declara emergência por causa de poluição

Derrame de pellets de plástico por navio ao largo de Viana do Castelo está a contaminar praias da Galiza, Astúrias e Cantábria, e recorda desastre ambiental do petroleiro Prestige.

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Pessoas juntaram-se para limpar a praia de Seiras n'A Corunha, Galiza BRAIS LORENZO/EPA
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A Galiza, bem como as Astúrias e a Cantábria, no Norte de Espanha, declararam nesta terça-feira nível de alerta 2 por contaminação marinha devido ao derrame de plásticos que está a chegar às suas costas, porque um navio que transportava contentores com pellets de plástico terá perdido parte da sua carga em Dezembro, ao largo da costa portuguesa e junto a Viana do Castelo.

O governo autonómico galego tem estado sob fogo dos ambientalistas que criticam a sua inacção. Este derrame aterrou no meio de uma campanha eleitoral, porque as eleições para a Xunta da Galiza são a 18 de Fevereiro, e o Partido Popular (PP, direita) teme que a forma como lida com a poluição de plástico se transforme numa arma de arremesso da oposição de esquerda.

O Governo central, em Madrid, também está sob fogo. O jornal El Mundo noticiou que a Direcção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos de Portugal comunicou a Espanha e à Agência Europeia de Segurança Marítima a 8 de Dezembro, durante a madrugada, um comunicado em que relatava que o navio Toconao (com bandeira liberiana) tinha perdido seis contentores ao largo de Viana do Castelo, no próprio dia do acontecimento.

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Pellets que deram à costa na Galiza SALVADOR SAS/EPA

Isto foi exactamente um mês antes de começarem a chegar os primeiros pellets às costas galegas e de Madrid ter notificado a Xunta da Galiza, diz o diário espanhol.

O grupo ambientalista Ecologistas en Accion denuncia a inacção, durante duas semanas, da Xunta galega, e anunciou que vai apresentar queixa por crime ambiental contra o proprietário holandês do navio, Toucan Maritime. O presidente da Xunta da Galiza, Alfonso Rueda (PP), diz que o Governo central (coligação de esquerda) sabia do derrame de pellets mas só informou a 4 de Dezembro. O representante do Governo central na Galiza diz que o serviço de vigilância marítima informou a guarda costeira galega do incidente a 20 de Dezembro, sumariza a Reuters.

Entretanto, a Procuradoria de Ambiente iniciou diligências para determinar se o derrame pode ser considerado um delito, diz o El País. O artigo 325 do Código Penal estipula penas de prisão de seis meses a dois anos para quem “provoque ou realize directa ou indirectamente emissões, derrames (…) em águas terrestres, subterrâneas ou marítimas, incluindo o alto mar”.

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Pellets recolhidas na praia de Orzan, na Galiza Cabalar/EPA

Agora, com a poluição a alastrar, Galiza, Astúrias e Cantábria activam o nível 2 do Plano Territorial de Emergências e Protecção Civil, para obter ajuda do Governo central para recolher os milhões de pellets que estão a chegar às praias, cobrindo-as como um nevão de plástico.

Na Galiza, onde os pellets chegaram primeiro, gerou-se um movimento de voluntários que foram para as praias, para peneirar a areia e separá-la da poluição de plástico. Isto trouxe à memória a pior catástrofe ambiental vivida na Galiza, o naufrágio do petroleiro Prestige e o derrame de 63 mil toneladas de fuelóleo, em 2002.

Quando o caso chegou a julgamento, dez anos depois, um juiz galego absolveu os três homens sentados no banco dos réus por qualquer responsabilidade no naufrágio do Prestige. Apenas o capitão do navio foi condenado por desobediência, mas a pena foi suspensa.

“Infelizmente, todos nos recordamos de imagens do passado que gostaríamos de apagar”, comentou a vice-presidente do Governo espanhol, Maria Jesus Montero na TVE. O executivo está preocupado com a possibilidade de “repercussões graves” desta poluição por plástico, embora não se saiba ainda avaliar que impacto terá e se pode afectar a pesca.

"Lágrimas de sereia"

Por vezes chamadas “lágrimas de sereia”, diz a Reuters, estas bolinhas são usadas para produzir objectos do dia-a-dia, como garrafas de água ou sacos de plástico. Não são tóxicas em si, mas facilmente se transformam num problema para a vida marinha e não só.

O hidrobiólogo Adriano Bordalo e Sá, do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto disse à agência Lusa que este granulado facilmente entra na cadeia alimentar.

São “esferas de cinco milímetros de plástico”, que facilmente se partem, passando a "microplásticos, e depois ainda se fraccionam mais, em nanoplásticos, do tamanho de micrómetros, e aí está o problema”, continuou Bordalo e Sá. “Essas partículas nano vão sendo colonizadas por seres vivos e, devido ao odor, muitos peixes vão pensar que é alimento e os bivalves vão filtrá-los indiscriminadamente”, descreveu à Lusa.

Apesar de haver voluntários a tentar limpar as praias, é impossível recolher todo o plástico que caiu ao mar, alertou a associação ambientalista portuguesa Zero. “É um material muito leve, muito pequeno e com grande mobilidade. Entram muito facilmente na cadeia alimentar marinha e conseguem absorver outros poluentes, podendo chegar ao topo da cadeia alimentar, ou seja, aos humanos”, disse à Lusa Susana Fonseca, vice-presidente da Zero.

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Duas pessoas a limpar a praia O Vilar, no Parque Natural Corrubedo, na Corunha LAVANDEIRA JR/EPA

"Pode não ser no imediato, no curto prazo. Claro que não estamos a falar dos perigos directos de um derrame de combustível, por exemplo, mas haverá impacto a longo prazo. Não é fácil conseguir uma limpeza total deste material”, sublinhou Susana Fonseca. Em causa toneladas do material que caíram ao mar em águas portuguesas e apareceram em praias do Norte de Espanha.

Portugal deve preparar-se

Bordalo e Sá alertou que Portugal deve vigiar a costa e pôr em prática um plano de contingência, pois esta poluição pode vir dar à costa portuguesa. “O grosso [das partículas de plástico] irá parar à Galiza e há-de chegar a França. Temos a experiência da tragédia de Entre-os-Rios [em 2001, morreram 59 pessoas que estavam numa ponte que ruiu, e alguns corpos corpos só foram encontrados na Galiza e em França]. Mas sem dúvida que podem chegar a Portugal”, alertou.

Isso só deveria acontecer na Primavera, quando mudar a direcção das correntes, se não tiver dado à costa ainda todo o plástico derramado dos contentores. “Neste momento as correntes dominantes são para Norte”, disse.

É importante accionar a vigilância das praias, aproveitando a sociedade civil, e pôr em prática “um plano de contingência desenhado à medida e supervisionado”, explicou o hidrobiólogo da Universidade do Porto.