É mesmo verdade, 2023 foi o ano mais quente desde que há registos, e roçámos os limites de 1,5 graus do Acordo de Paris: a temperatura média global esteve 1,49 graus acima dos valores antes da Revolução Industrial, divulgou nesta terça-feira o serviço de observação da Terra da União Europeia, Copérnico. E não ficamos por aqui: é provável que, no primeiro trimestre de 2024, o excesso de temperatura ultrapasse 1,5 graus.
A média global da temperatura em todo o planeta foi de 14,98 graus Celsius. O ano de 2023 ultrapassou em 0,17 graus 2016, que era até agora o mais quente de sempre.
“O ano de 2023 foi excepcional, com recordes climáticos a tombar como dominós. As temperaturas em 2023 provavelmente excederam as de qualquer outro período nos últimos 100 mil anos”, comentou Samantha Burgess, vice-directora do Serviço de Alterações Climáticas do Copérnico (C3S).
“Isto quer dizer que, da última vez que tivemos temperaturas assim na Terra, ainda não havia cidades, estradas, quintas. A nossa experiência passada não serve para compreender o que se vai passar”, completou Carlo Buontempo, director do C3S, numa conferência de imprensa online.
Na Europa, 2023 foi apenas o segundo ano mais quente desde que há registos. Esteve 0, 17 graus mais fresco do que 2020, que continua a estar no topo da lista, enquanto em todo o planeta, a temperatura global esteve 0,60 graus acima da média de 1991-2020. O que impediu 2023 de ser o ano mais quente na Europa? Sabemos que em Portugal, por exemplo, as temperaturas não foram muito castigadoras.
“Isto ilustra a diferença entre meteorologia e clima, tem a ver com alterações na corrente de jacto que criam condições para um Outono e Inverno mais húmidos na Europa. É preciso fazer uma análise a diferentes escalas”, respondeu Samantha Burgess.
O calor continua...
Em 2023, formou-se um El Niño, um padrão climático que influencia os padrões meteorológicos no resto do mundo. Mas isso não explica tudo, porque aconteceu algo inesperado. As águas superficiais dos oceanos estão invulgarmente quentes em todo o planeta, mesmo fora da região equatorial, onde se forma o El Niño, que deve durar pelo menos até Abril. “Em Março, com o fim do Verão no hemisfério Sul, devia começar a arrefecer, mas há muita incerteza sobre como a temperatura vai evoluir”, respondeu Samantha Burgess a uma pergunta do Azul.
Calcula-se que os oceanos, que cobrem mais de 70% da superfície da Terra, tenham absorvido 90% do calor em excesso do aquecimento global das últimas décadas, devido ao aumento descontrolado das emissões de gases com efeito de estufa. Segundo a agência espacial norte-americana NASA, a camada superior das águas armazena tanto calor como toda a atmosfera do nosso planeta – só para termos uma ideia do calor que o mar esconde.
E 2023 caracterizou-se ainda por um grande número de ondas de calor marinhas, afectando as criaturas marinhas. Aconteceram entre Abril e Dezembro, em partes do Mediterrâneo, do Golfo do México, das Caraíbas, dos oceanos Índico, Pacífico Norte e Atlântico Norte.
E a verdade é que o que os cientistas esperam é que estas ondas marinhas continuem em 2024, disse Samantha Burgess, “porque a quantidade de calor no oceano é muito mais elevada do que a média para esta altura do ano”, respondeu a investigadora ao Azul.
Parece quase um preciosismo dizer que a temperatura média global não chegou a 1,5 graus acima dos valores de referência – o limite que o Acordo de Paris diz que não devemos atingir, porque a partir daí as alterações climáticas tornam-se mais perigosas. Dois graus em 2100 é o limite superior permitido pelo Acordo de Paris, com o qual os países se comprometem voluntariamente a reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa. Mas na trajectória actual, nem esse limite será cumprido.
As concentrações de gases com efeito de estufa (dióxido de carbono ou CO2 e metano) na atmosfera atingiram em 2023 os níveis mais altos de sempre, segundo os satélites do Copérnico.
A concentração na atmosfera de CO2 atingiu 419 partes por milhão (ppm), enquanto a de metano é de milhares de milhões de partes por milhão (ppmm: a escala é diferente, porque há muito mais CO2 do que metano na atmosfera, embora este gás tenha um efeito de estufa ainda mais potente).
O metano, apesar de continuar elevado, é menos do que nos últimos três anos, segundo o Copérnico, embora ainda não seja claro se se trata de um processo natural ou resultado da acção humana.
A atmosfera é como uma manta protectora da vida na Terra, que nos protege da radiação solar. Mas, ao aumentarmos a concentração de gases com efeito de estufa, transformamo-la num edredão cada vez mais espesso, que absorve cada vez mais calor. Cá em baixo, os seres vivos sofrem os efeitos desse aquecimento, que provoca outros fenómenos, como perturbações do regime das chuvas, secas e tempestades.
Ou grandes incêndios florestais: em 2023, as emissões de carbono de fogos florestais aumentaram em 30% relativamente a 2022, sobretudo por causa dos gigantescos e persistentes incêndios nas florestas do Canadá, que lançaram nuvens de fumo que tingiram de laranja os céus dos Estados Unidos e chegaram até a Portugal.
Há mudanças em curso que podem desencadear uma cascata de efeitos difíceis de prever. Por exemplo, com a temperatura média global a atingir recordes, o gelo da Antárctida sofreu um recuo sem precedentes. Em Fevereiro de 2023 a extensão de gelo em terra chegou a valores mínimos diários e mensais, e o gelo no mar derreteu-se como nunca.
No Árctico, é geralmente em Março que se atinge o máximo anual de extensão de gelo. Mas em 2023, foi a quarta menor desde que se fazem observações por satélite. O mínimo, que se verifica em Setembro, foi o sexto mais baixo.
Corrigido às 13h44: a temperatura média não esteve 14,98 graus Celsius acima do que era antes da Revolução Industrial, este valor corresponde à temperatura média global em 2023