Lula: “Se golpe tivesse sido bem-sucedido, vontade do povo teria sido roubada”
O Brasil assinalou o primeiro aniversário da invasão e vandalização das sedes dos três poderes em Brasília, com a ausência da oposição. Lula pediu punições exemplares para responsáveis pelos ataques.
Foi com apelos à unidade e ao respeito pela democracia que o Presidente brasileiro, Lula da Silva, assinalou o primeiro aniversário da invasão das sedes dos três poderes em Brasília, esta segunda-feira, pedindo também sanções para os responsáveis pelos actos violentos.
“É um dia muito especial para quem gosta, para quem ama e para quem pratica a democracia”, começou por dizer Lula, referindo-se ao primeiro aniversário do mais grave ataque às instituições democráticas brasileiras desde o fim da ditadura militar.
Foi há precisamente um ano que um grupo de centenas de apoiantes do ex-Presidente Jair Bolsonaro invadiram as sedes dos três poderes, em Brasília – Congresso, Supremo Tribunal Federal (STF) e Palácio do Planalto, onde está sediada a presidência –, vandalizando e destruindo obras de arte, mobiliário e gabinetes. Na origem da fúria estava a convicção de que a vitória de Lula, nas eleições de Outubro de 2022, não foi legítima, fazendo eco das teorias da conspiração que Bolsonaro foi propagando durante meses acerca de alegadas vulnerabilidades no sistema de voto electrónico.
Esta segunda-feira, numa cerimónia para assinalar a efeméride nos mesmos locais que um ano antes tinham sido palco do motim, Lula afirmou que, “se a tentativa de golpe fosse bem-sucedida, a vontade do povo brasileiro expressa nas urnas teria sido roubada”, referindo-se a Bolsonaro como “ex-Presidente golpista”.
Numa altura em que ainda decorrem investigações sobre os ataques de 8 de Janeiro de 2023, Lula disse ainda que “todos aqueles que financiaram, planearam e executaram a tentativa de golpe devem ser exemplarmente punidos”. “Não há perdão para quem atenta contra a democracia e contra o seu próprio povo”, acrescentou.
Minutos antes, no seu discurso, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, não referiu especificamente Bolsonaro, mas disse que o ataque aos edifícios governamentais teve na origem uma tensão “artificialmente cultivada anos a fio”, apontando o dedo ao “desrespeito pelo resultado eleitoral” como causa para a insurreição. O juiz criticou ainda aqueles que promovem “falsidades, teorias conspiratórias, sentimentos anti-democráticos e rancor”.
As acções violentas foram entendidas pela justiça brasileira como actos terroristas que configuraram uma tentativa de subversão da ordem democrática. Uma comissão parlamentar de inquérito do Congresso concluiu que Bolsonaro foi o autor moral e intelectual do motim e pediu à Procuradoria-Geral da República que abrisse uma investigação formal contra o ex-Presidente.
Desde que começaram os julgamentos, o STF já condenou 30 pessoas por participarem nos actos anti-democráticos, por crimes como “abolição violenta do Estado de direito”, “golpe de Estado” ou “destruição, deterioração ou inutilização de bens públicos”. Até Abril, o tribunal prevê julgar outros 146 réus, segundo a imprensa brasileira.
Esta segunda-feira, a Polícia Federal cumpriu quase 50 mandados de busca e apreensão e fez uma prisão preventiva relacionados com suspeitos de financiar a insurreição de Brasília. Uma das críticas que vinha sendo apontada à investigação em curso há um ano é a de que apenas tem visado os participantes directos nos actos violentos, deixando de fora os organizadores, financiadores e os elementos das Forças Armadas, no activo e na reserva, suspeitos de terem um papel importante no motim.
O objectivo de Lula e do seu Governo era fazer com que as cerimónias do primeiro aniversário da insurreição de Brasília servissem para mostrar uma imagem de unidade de todos os actores políticos em nome dos valores democráticos. No entanto, vários governadores, deputados e senadores ligados à oposição ao Governo faltaram às cerimónias.
Uma baixa relevante foi a do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que até tinha previsto discursar na qualidade de representante do poder legislativo, mas que não pôde estar presente por problemas de saúde com familiares, de acordo com a Folha de S.Paulo.
Numa clara demonstração de como os acontecimentos de 8 de Janeiro continuam a motivar paixões, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, próximo de Bolsonaro, acabou por cancelar a ida à cerimónia de Brasília depois de ter sido “desaconselhado” por membros do seu partido, o Novo, segundo a própria formação. Vários governadores alinhados com a direita, incluindo os de São Paulo e do Rio de Janeiro, também faltaram.