Habitantes de kibbutz querem saber se foi o exército que matou os seus familiares
Suspeitas de que a 7 de Outubro, em Be’eri, terá sido dada ordem para disparar mesmo a custo de vidas israelitas têm de ser esclarecidas, defende o jornal Haaretz.
O que aconteceu ao certo numa casa no kibbutz Be'eri, na tarde de 7 de Outubro, onde estavam 14 reféns e 40 combatentes do Hamas? Há suspeitas de que alguns dos israelitas mortos na casa foram atingidos por disparos do próprio Exército israelita. O Exército diz que irá investigar e anunciar os resultados “quando a situação operacional” o permitir. O diário Haaretz pediu esta segunda-feira, em editorial, que a investigação seja feita o mais depressa possível.
As suspeitas de que algumas das mortes possam ter sido motivadas por disparos israelitas já existiam com base em declarações das duas únicas sobreviventes, Yasmin Porat (44 anos), que serviu de escudo humano para o único combatente do Hamas que se rendeu enquanto este se dirigia para as forças israelitas, e Hagas Dagan (70 anos), que estava dentro da habitação quando um carro de combate israelita disparou contra a casa.
Porat e o seu companheiro, Tal Katz, que antes tinham conseguido escapar da rave Supernova, procuraram abrigo em Be’eri. Dagan e o marido, que moravam no kibbutz, receberam-nos.
Mas combatentes do Hamas que entretanto entraram no kibbutz levaram-nos para uma outra casa, onde estavam mais reféns, que o grupo pretendia levar para Gaza. Entre os reféns estavam dois gémeos de 12 anos.
Tanto Dagan como Porat descreveram negociações e trocas de tiros entre os combatentes do Hamas e os militares do Exército de Israel que duraram mais de quatro horas. Os combatentes ameaçaram matar reféns em resposta aos tiros dos soldados.
A certa altura, os combatentes do Hamas dispararam uma RPG (granada lançada por rocket) contra os militares. Um general considerou que não iria haver mais combatentes a render-se, e ordenou que acabassem as negociações e que as forças entrassem na casa, “mesmo com o custo de baixas civis” – o próprio general, Barak Hiram, contou a decisão numa reconstituição do diário norte-americano The New York Times sobre o que se tinha passado em Be’eri, o kibbutz em que morreram mais pessoas a 7 de Outubro, segundo o diário norte-americano.
O tanque disparou contra a casa para preparar a entrada de uma equipa de comandos, e estilhaços de um dos projécteis acertaram no pescoço do marido de Hagas Dagan, Adi (68 anos), matando-o, assim como ao companheiro de Yasmin Porat, descreveu Dagan. Porat também disse que se questionou por que razão os soldados estavam a disparar contra a casa.
Não era claro quantas pessoas teriam morrido na sequência desse disparo particular, ou de outros das forças israelitas durante os confrontos. Havia relatos de uma morte de um dos reféns a tiro pelo Hamas, e de outro que tinha ficado ferido com gravidade. O que aconteceu ao certo com os outros reféns do grupo está longe de ser claro.
As famílias das pessoas que morreram pedem que, “à luz da gravidade do que aconteceu”, o Exército não espere pelo fim da guerra para levar a cabo a investigação. Esta deveria ser feita “enquanto a memória de todas as pessoas envolvidas ainda está fresca” e antes da demolição da casa, que vai acontecer entretanto para que o bairro seja reconstruído.
O Haaretz concorda que é preciso saber o que aconteceu com brevidade, até para se perceber qual a abordagem das forças armadas de Israel em situações como esta. O jornal evoca a chamada directiva Hannibal, que prevê o uso de “força máxima” para impedir que inimigos levem militares como reféns e que o diário diz ter sido, erradamente, interpretada como ordem para matar até os próprios soldados. A directiva, que não foi oficialmente publicada, foi revogada em 2016.
“O público tem o direito de saber: [ao ordenar o disparo] Hiram agiu de acordo com as regras e cultura das IDF [Forças de Defesa de Israel, na sigla em inglês] ou ao contrário delas? E o espírito da directiva Hannibal é dominante nas IDF nesta guerra contra o Hamas?”, questiona o diário.
A discussão segue-se a uma citação, publicada pelo Haaretz em Novembro de 2023, de uma fonte da polícia sob anonimato dizendo que escreveu que “um helicóptero de combate que tinha chegado ao local [da rave Supernova] e disparou contra terroristas aparentemente atingiu também alguns participantes do festival”. A polícia desmentiu e o Haaretz não voltou a referir esta alegação.