Janeiro está a ser mais frio? Estamos a ficar mal habituados
Próximos dias trarão temperaturas ligeiramente mais frias que o normal, mas os meteorologistas concordam que Janeiro é mesmo assim — os anos passados é que têm sido demasiado quentes.
As mantas sobre as pernas e os sacos de água quente ao colo não deixam margem para dúvidas: está frio, muito frio, tanto frio que os meteorologistas emitiram avisos amarelos em Portugal continental e continuam em alerta para a neve que se espera até à madrugada de terça-feira em Vila Real e Bragança. A situação ainda vai piorar, com a chegada de uma massa de ar polar vinda de leste a partir de meio desta semana. Mas, questionados sobre quão anormal está a ser o frio deste Janeiro, os especialistas respondem em uníssono: anormal é o calor dos meses de Janeiro nos anos anteriores.
Pode ser difícil acreditar nisso quando tem de sujeitar pelo menos uma das mãos a temperaturas gélidas só para ler este artigo, mas os dados das últimas duas décadas explicam-no. Nos 23 anos de dados recolhidos em Janeiro entre 2000 e 2022, só nove registaram temperaturas médias mensais dentro ou abaixo da média, em comparação com os valores obtidos entre 1971 e 2000. Nos anos em que o mês de Janeiro foi mais frio do que a média, a diferença foi pouco superior a 1ºC — mas, nos anos em que foi mais quente, as anomalias chegaram perto dos 2ºC.
"O mês de Janeiro é tipicamente o mais frio do Inverno", confirmou ao PÚBLICO o meteorologista e climatologista Mário Marques, director executivo da Planoclima, mas "este mês nos últimos anos tem sido mais ameno", com temperaturas mínimas elevadas e temperaturas máximas acima do normal. Depois de, há dois anos, Janeiro de 2022 ter sido o quinto mais quente e o segundo mais seco desde 2000, com o feriado do dia 1 a registar temperaturas acima dos 20ºC em alguns pontos do país, "é como se nos estivéssemos a esquecer do frio que é normal no Inverno": "Estamos a ficar mal habituados."
O último comunicado do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) confirma o que as mãos geladas dos portugueses já denunciam: está frio. As temperaturas estão "ligeiramente inferiores ao normal para a época do ano", por causa de massa de ar polar que só dará tréguas entre segunda-feira e a manhã de terça. A questão, clarificou ao PÚBLICO o meteorologista Manuel Costa Alves, é que estes episódios de frio eram mais comuns antes de 2000: "Temos tido maior variabilidade de tipo de tempo, as mínimas são superiores às que tínhamos nas décadas anteriores. Mas isso não invalida os episódios muito frios."
O principal problema, indica o especialista, é mesmo a sensação térmica. Há dois grandes motores no planeta que, de forma geral, aliados a factores como as horas de sol recebidas diariamente numa região, determinam se está frio ou calor: uma fonte quente, intratropical, e uma fonte fria, polar. Entre as duas há uma tensão permanente — e é dessa luta pelo protagonismo que eclode o regime de ventos que faz circular a atmosfera da Terra. No Verão, a batalha é vencida pelos ventos quentes e húmidos. No Inverno, são os ventos frios e secos os mais preponderantes.
É isso que está a acontecer neste momento, com uma agravante: durante o dia, como não tem chovido de forma sustentada e o céu chega a estar limpo, a temperatura à superfície aumenta graças ao calor que chega do Sol. À noite, no entanto, a balança fica desregulada: os ventos polares chegam pelo interior da Europa, sem antes passar pela água mais quente do Atlântico, que ameniza as temperaturas da massa de ar e lhes confere humidade. Dá-se então uma intensa perda de calor durante a noite e as diferenças de temperatura tornam-se mais exuberantes.
De acordo com Mário Marques, a origem do frio destes dias está num anticiclone — uma área de alta pressão atmosférica — que estacionou no mar do Norte, entre a Escandinávia e o Reino Unido. O anticiclone está a ejectar ar frio polar para a Europa: a massa fria entra pela Sibéria e avança, de leste para oeste, ao longo de todo o continente europeu. O pico do frio em Portugal deve acontecer entre quinta-feira e sábado, depois de deixar um rasto de temperaturas negativas pelo continente — e neve a meio da Europa, em países como a Bulgária, Roménia, Áustria e o norte de Itália.
É exactamente por isso que o fundador do Planoclima confirma que o frio que se tem sentido em Portugal, e que obrigou a agência meteorológica a emitir avisos amarelos, também está a acontecer noutros países: enquanto o frio vai aliviar na Escandinávia, os termómetros estão a baixar para os -1ºC de temperatura máxima em Paris (França) nesta segunda-feira, -4ºC em Berlim (Alemanha), -25ºC em Riga (Letónia) e 4ºC em Londres (Inglaterra).
A diferença para alguns destes países é que, por cá, "não se está e nunca se esteve armado para este frio", critica Costa Alves, recordando os apelos que meteorologistas, médicos de saúde pública e membros da Protecção Civil têm feito ao longo dos anos para estudar os efeitos do frio na saúde humana em Portugal — e encontrar a solução para eles. "O problema é decompor os dados, ver a proveniência das pessoas atingidas. Sempre que surgem situações de frio, explodem os casos de doenças respiratórias e a mortalidade aumenta. Temos de entender que mortes são das viroses desta época e que pessoas estão a morrer porque têm frio", defendeu.