Catalunha no limite de declarar emergência por causa da seca

As reservas de água estão a chegar ao ponto crítico e é inevitável declarar emergência, restringindo o abastecimento. Défice de precipitação oscila entre 50% e 70%. Andaluzia em situação semelhante.

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Zona seca da barragem de Baells, no rio Llobregat: a 1 de Janeiro estava a apenas 22% da sua capacidade Nacho Doce/REUTERS
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As barragens da Catalunha estão a aproximar-se a passos largos de estarem apenas a 16% da sua capacidade, por causa da seca que dura já há três anos. Esse nível tão raso de água, que equivale a 112 hectómetros cúbicos, deve ser atingido já na segunda semana de Janeiro e a Catalunha entrará em situação de emergência por causa da seca. Nessa altura, entram em vigor restrições mais severas no consumo de água.

O objectivo é reduzir progressivamente o consumo de água por pessoa e por dia, começando com um limite de 200 litros — para se ter uma ideia do que isto significa, calcula-se que num duche de dez minutos se gastem entre 50 e 100 litros de água. De cada vez que puxa o autoclismo, dez litros de água vão literalmente pelo cano abaixo.

Perto de seis milhões de catalães terão de reduzir o seu consumo de água desta forma escalonada, consoante chova ou não. Se o estado de emergência chegar ao nível 2 e 3, o consumo de água diário por pessoa é reduzido a 180 litros, no primeiro caso, e 160, no segundo.

Empresas que se dedicam ao turismo e actividades industriais fortemente dependentes de água serão igualmente visadas no decreto do Governo catalão, que já está redigido, diz o jornal El País. Jardins e arvoredo público podem ser regados, pois servem como refúgios climáticos, o relvado dos campos desportivos também poderá ser regado se for necessário e as piscinas públicas enchidas. Mas tomar banho nos vestiários dos centros desportivos não será permitido.

A pior seca desde 1916

Estas medidas são necessárias por causa da seca mais grave e mais duradoura na Catalunha desde que começaram a ser feitos registos, em 1916.

Começou no Outono de 2020 e tem vindo a consolidar-se. Há três anos que chove abaixo da média nesta região mediterrânica de Espanha, o dobro do tempo que durou a seca mais dura que se tinha vivido até agora, a de 2008, que durou 18 meses, diz um comunicado da Generalitat (o governo regional catalão).

Os anos mais secos coincidem com os anos mais quentes da história da Catalunha: 2023 só foi superado por 2022. A precipitação foi no ano passado 50% a 70% inferior à média.

A agricultura definha sem água e, em localidades ao redor de Barcelona, já é normal o abastecimento de água ser cortado durante algumas horas por dia, sobretudo em locais onde os aquíferos subterrâneos estão esgotados. Em L’​Espluga de Francolí, não há água desde as 20h e até às 10h da manhã seguinte, durante 14 horas, e o município gastava, no fim de Novembro, 20 mil euros por semana por 140 camiões-cisterna para abastecer a população, relata o El País.

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A Andaluzia, no Sul de Espanha, está a sofrer uma situação de seca equivalente, que dura quase há oito anos, com as reservas das bacias hidrográficas abaixo dos 20% ou, no caso de Guadalete-Barbate, em torno dos 14%. “Já levamos 94 meses com situação de seca, desde Março de 2016”, resumiu ao El País Juan de Dios del Pino, delegado territorial da Agência Estatal de Meteorologia (Aemet) na Andaluzia, Ceuta e Melilla.

Tanto na Catalunha como na Andaluzia, as perspectivas de ver a seca chegar ao fim são ténues ou mesmo uma miragem. “Não há nenhuma janela de oportunidade para que se possa reverter a situação”, disse a directora do Serviço de Meteorologia da Catalunha, Sarai Sarroca, citada pelo El País.

Está prevista precipitação para os próximos dias, mas isso não vai mudar nada. “Mesmo que chova, não será suficiente para evitar a emergência. É quase impossível evitar a entrada em fase de emergência”, reconheceu a porta-voz da Generalitat, Patrícia Plaja, citada pela revista Climatica. “Só podemos ir atrasando em dias ou semanas a entrada em emergência, em função da capacidade que tenhamos de gerar e poupar água”, alertou.

Mesmo que em Abril e Maio haja chuva na Catalunha dentro dos padrões normais, ou acima deles, isso não aliviará a falta de água que afecta mais de 50% do território.

“Nos prognósticos até Março, não há nada que indique que choverá mais do que o normal. Há alguma probabilidade de que Janeiro seja mais chuvoso do que o normal na Andaluzia ocidental, mas isso não aconteceria em Cádiz, que permanece na incerteza”, disse ainda Juan de Dios del Pino. Cerca de 3,5 milhões de pessoas são já afectadas por restrições no consumo de água — embora a agricultura de regadio, uma importante fonte de rendimento desta região espanhola, só tenha começado a sofrê-las a partir de Outubro.

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Imagem de drone do complexo de barragens de Guadalhorce-Guadalteba, em Málaga, na Andaluzia Nuno Ferreira Santos

Importar água do Alqueva

No cenário mais grave, ambas as comunidades autonómicas prevêem trazer água em navios-cisterna para abastecer a população. Os governos da Andaluzia e da Catalunha consideram “imprescindível” a colaboração do Governo central liderado por Pedro Sánchez para conseguir fazer isto.

A Junta da Andaluzia está mesmo a admitir comprar água do Alqueva a Portugal, que seria transportada nesses navios-cisterna.

Enquanto não avança essa solução de último recurso, na Andaluzia estão a construir-se infra-estruturas de emergência, como a abertura de furos artesianos. Está ainda prevista a instalação de centrais de dessalinização e a reutilização de água proveniente das estações de tratamento de águas residuais.

Nos últimos 36 meses, em condições normais, devia ter chovido uns 1900 litros por metro quadrado. Mas desde 2020 só choveram 1400. Os 500 milímetros que faltam são equivalentes à quantidade de precipitação que deveria cair na cidade de Barcelona durante um ano inteiro. “A precipitação média acumulada desde Agosto de 2023 deveria ser de 242 milímetros, mas só temos 135. O défice é muito importante”, disse Sarai Sarroca, em declarações citadas pelo diário digital El Español.

O governo regional catalão preparou-se para enfrentar a seca e está em melhores condições para o fazer do que em 2008. Mas as alterações climáticas “endureceram as condições”, disse o ministro da Acção Climática catalão, David Mascort, citado pelo diário digital El Món.

As alterações climáticas potenciam o fenómeno cíclico El Niño, que começou este ano e afecta todo o planeta e que quer dizer que a seca pode ainda durar mais alguns anos, alertou Vicenç Acuña, do Instituto Catalão de Investigação da Água, citado no El Món. “Normalmente, o efeito El Niño dura quatro a cinco anos, mas com as mudanças do clima os ciclos alargam-se, o que pode fazer com que a seca se alargue mais quatro anos.”