Portugal e a urgência da proteína vegetal

Em Portugal, a pegada de carbono alimentar per capita é a maior da União Europeia, o que sublinha a urgência de políticas públicas que travem o impacto climático do que produzimos e comemos.

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Megafone P3: Portugal e a urgência da proteína vegetal Taryn Elliott/Pexels
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Com a Declaração dos Emirados sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Acção Climática assinada na 28.ª COP28, a necessidade de incorporar sistemas agrícolas e alimentares nos planos nacionais de combate às alterações climáticas tornou-se evidente.

As emissões de gases de efeito estufa provenientes do sistema alimentar representam cerca de 30% das emissões globais. Por sua vez, em Portugal, a alimentação pesa 30% na pegada ecológica, mais do que os transportes ou o consumo de energia, e a pegada de carbono alimentar per capita é a maior da União Europeia, o que sublinha a urgência de políticas públicas que travem o impacto climático do que produzimos e comemos.

Por muito que alguns procurem negar, é um facto que a produção de carne emerge como uma peça crucial na actual crise climática e alimentar global. É responsável por 14,5% a 20% das emissões globais de gases de efeito estufa, o que contribui para as alterações climáticas e consequentes eventos meteorológicos extremos (que podem ser a causa da insegurança alimentar em alguns países).

A produção de um quilo de carne bovina chega a representar emissões equivalentes a quase 100 quilos de dióxido de carbono, aproximadamente o mesmo que uma viagem de avião entre Lisboa e Barcelona.

Acresce que três quartos da desflorestação global devem-se à agricultura. A pecuária — e o cultivo da soja necessária para alimentar o gado — é a maior causa da desflorestação em praticamente todos os países amazónicos.

Quase 80% da soja cultivada é utilizada na alimentação de animais para a produção de carne e lacticínios (portanto, não são o tofu ou a bebida de soja os grandes impulsionadores da desflorestação).

A pecuária contribui também para a perda de biodiversidade, poluição dos recursos hídricos e zonas mortas nos oceanos.

A este contexto de emissões de gases poluentes, desflorestação e elevada pegada ecológica, associa-se a ineficiência da produção de carne em termos energéticos.

Metade da terra habitável do mundo é utilizada para a agricultura, sendo que mais de três quartos deste espaço são destinados à produção de gado. No entanto, a carne e os lacticínios fornecem apenas 18% das calorias globais (alimentos de base vegetal fornecem as restantes).

Países como Dinamarca, Coreia do Sul e Alemanha já adoptaram iniciativas para promover alimentos de base vegetal. Em Portugal, o projecto Proteína Verde, que resulta de uma parceria entre 15 organizações, propõe um sistema alimentar nacional mais sustentável, destacando a importância de políticas que tornem a cadeia de valor alimentar compatível com o combate às alterações climáticas.

Este projecto, nomeadamente o Plano Nacional de Promoção à Proteína Vegetal, desenvolvido pelas organizações ZERO, GEOTA, Associação Vegetariana Portuguesa e Associação Portuguesa de Educação Ambiental, até já é do conhecimento do Governo português, uma vez que foi apresentado à Comissão de Agricultura e Pescas, em 2023.

Contudo, entre outras infelizes afirmações ouvidas na audiência, um deputado do Partido Social Democrata (PSD), afirmou que “sobre as externalidades ambientais nos apoios atribuídos à pecuária intensiva, não acompanhamos este tipo de descriminação negativa, que consideramos ser prejudicial” e "o PSD privilegia alimentos com baixa pegada carbónica, não somos contra a proteína animal".

Pergunto: deve a sociedade portuguesa ser prejudicada em prol de não prejudicar uma minoria elite agrícola?

Numa altura em que até as Nações Unidas afirmam que a pecuária contribui significativamente para as alterações climáticas, bem como para a poluição generalizada do ar e da água, perda de estrutura e nutrientes do solo, perda de biodiversidade e aumento do risco de doenças zoonóticas e da resistência antimicrobiana, pergunto também o que podemos esperar da política agrícola e alimentar em Portugal.

Vivemos numa época de crescente consciência ambiental e preocupações com a segurança alimentar. Portugal, como signatário do Acordo de Paris, está comprometido em investir na transição climática. O sistema alimentar tem de ser considerado nas medidas de acção climática.

A criação de um Fundo Nacional para Alimentos de Base Vegetal, a anulação da taxa de IVA, indefinidamente, para alimentos de base vegetal saudáveis e a promoção da produção local de leguminosas são essenciais (afinal, só produzimos 18,6% das leguminosas que consumimos).

A colaboração entre os sectores público e privado e organizações não-governamentais é fundamental para o sucesso dessas iniciativas e para a construção de um futuro alimentar mais sustentável.

A implementação de políticas e iniciativas em prol da proteína vegetal não apenas beneficiará o ambiente e a saúde pública (o consumo de carne entre os portugueses é três vezes superior ao recomendado na Roda dos Alimentos), mas também posicionará Portugal como um exemplo positivo na luta contra as alterações climáticas. O tempo para a acção é agora.

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