Morreu Glynis Johns, última sobrevivente do cinema clássico britânico e de Hollywood
Teve uma carreira prolongada por mais de 60 anos, iniciada ainda nos anos 1930. É principalmente recordada pela interpretação da mãe feminista em Mary Poppins. Completara 100 anos em Outubro.
Foi o papel de Mrs. Winifred Banks, a mãe sufragista de Mary Poppins, o oscarizado filme de 1964 protagonizado por Julie Andrews, que lhe deu fama mundial, mas Glynis Johns, nascida numa família ligada ao mundo do espectáculo, guardava como presente mais memorável da sua longa carreira uma canção, Send in the clowns, composta por Stephen Sondheim para ela interpretar em A Little Night Music, musical da Broadway que lhe garantiu um prémio Tony em 1973. Assim o repetiu em Outubro último, quando completou cem anos, a actriz que morreu esta quinta-feira, de causas naturais, na casa de repouso em Los Angeles onde vivia.
Nascida em 5 de Outubro de 1923 em Pretória, África do Sul, no decorrer de uma digressão da companhia teatral a que pertenciam a mãe, Alyce Steele-Wareham, pianista, e o pai, Mervyn Johns, que se tornaria nos anos 1940 uma das estrelas do cinema britânico, Glynis Johns foi actriz desde o início.
Nos anos 1990, contava ao Los Angeles Times que gostaria de ter feito mil coisas diferentes na vida, que também gostaria de frequentado a universidade e ter-se tornado cientista, mas reconhecia que é impossível ser tudo na vida, e que, de facto, o contexto em que nasceu predefiniu o que seria o seu futuro. Como é que os pais lhe recusariam a oportunidade de contracenar com Laurence Olivier, recordava, só porque a pequena Glynis tinha de ir à escola?
Actuando em palco desde a infância, enquanto dançarina e actriz, teria a sua estreia no cinema em Inglaterra, aos 15 anos, em 1938, em South Riding, realizado por Victor Saville. Ganhou protagonismo na década seguinte, através de 49th Parallel, filme de guerra de 1941, com Laurence Olivier e realizado pela dupla Emeric Pressburger e Michael Powell, ou Miranda, comédia realizada por Kenneth Annakin em que surge como protagonista, encarnando uma sereia. Notada pela crítica e erguida a estrela pelo público inglês, chamaria a atenção de Hollywood, que começaria a convocá-la regularmente para rodagens nos Estados Unidos, mas também da Broadway, em cujos cartazes passa também a figurar, e da televisão — em 1963, chega mesmo a ter seu próprio programa no pequeno ecrã, Glynis, na CBS.
Um ano depois, estreava o filme pelo qual é mais recordada, Mary Poppins, a produção da Disney sobre uma peculiar ama, interpretada por Julie Andrews, em que Glynis surge no papel da mãe feminista, liberal na educação dos filhos. Mary Poppins foi um estrondoso sucesso no seu tempo e atravessou as décadas como um clássico intemporal. Uma década depois, em 1973, Sondheim compôs para ela o Send in the clowns de que tanto se orgulhava, no contexto do espectáculo A Little Night Music, pelo qual foi coberta de elogios. Não os suficientes, porém, para garantir o papel da respectiva adaptação cinematográfica – seria Elizabeth Taylor a escolhida para Música Numa Noite de Verão, estreado em 1977.
A actriz que, ao longo das suas mais de seis décadas de carreira, contracenou com Robert Mitchum, Deborah Kerr, Laurence Olivier ou Richard Burton, apareceu pela última vez no grande ecrã em Enquanto Dormias (1995), de John Turteltaub, com Sandra Bullock e Bill Pullman, e em Superstar (1999), de Bruce McCulloch, com Molly Shannon e Will Ferrell.
Em comunicado, o seu manager descreveu Glynis Johns como uma actriz que “abriu caminho na vida com inteligência, sagacidade e amor pelo espectáculo, tocando milhões de vidas”. Acrescentou: "Hoje é um dia sombrio para Hollywood. Não só lamentamos o falecimento da nossa querida Glynis, como o fim da idade de ouro de Hollywood”.