Como tornar as paisagens resilientes contra incêndios extremos e desertificação

As paisagens mistas têm resiliência superior, ao contrário das paisagens dominadas por plantações de eucalipto e pinheiro-bravo, que se associam aos incêndios extremos.

Foto
As florestas nativas e os sistemas agroflorestais existem em paisagens mistas que não são propícias a incêndios extremos e, portanto, armazenam carbono no longo prazo DR
Ouça este artigo
00:00
03:11

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

No Verão, assistimos a incêndios florestais cada vez mais extremos e ao mesmo tempo somos alertados para as secas severas que assolam o país, e já sabemos que ambos os fenómenos são agravados pelas alterações climáticas. O que não acompanhamos da mesma forma são as modificações na paisagem rural nem o seu contributo quer para os incêndios quer para a desertificação.

Na verdade, dependendo do uso que fazemos da terra, os ecossistemas terrestres podem sequestrar ou libertar carbono para a atmosfera e dessa forma contribuir para prevenir ou acentuar ambos os fenómenos. O problema torna-se mais complexo porque a emissão de carbono é um processo retroactivo que agrava as alterações climáticas, quer a emissão seja súbita através dos grandes incêndios ou gradual com a desertificação. Então, precisamos de paisagens que maximizem o sequestro do carbono e que ele fique retido nos troncos e raízes das árvores e no solo, e resista aos incêndios e à desertificação ao longo do tempo.

Foi esse o ponto de partida para esta investigação de doutoramento que aborda o papel das paisagens quer nos incêndios quer na retenção do carbono como indicador de desertificação. Para isso, começámos por estudar os incêndios ocorridos em Portugal continental nas últimas quatro décadas, depois incluímos os valores do carbono associados a cada ocupação do solo, e finalmente o processamento estatístico para relacionar os indicadores com as paisagens existentes.

Os primeiros resultados mostram que o nosso território se encontra maioritariamente mal ocupado porque ou arde abundantemente ou desertifica-se aceleradamente. Especificamente, os nossos resultados demonstram que as plantações de eucalipto e/ou pinheiro-bravo formam paisagens muito especializadas e contínuas que estão associadas a incêndios extremos e, embora essas paisagens sequestrem bastante carbono, quanto mais sequestram, mais ardem, e mais emitem.

Foto
Paisagens especializadas de eucalipto e/ou pinheiro-bravo encontra-se associadas a incêndios extremos, que libertam grandes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera DR

No outro extremo encontram-se as paisagens especializadas dominadas pela agricultura, que são ainda mais massivas, mas não são propensas a arder, mas como não armazenam carbono também não resistem à desertificação.

As paisagens mistas com matos têm um regime de fogos frequentes, mas pouco intensos, sem grande impacto nas emissões.

Finalmente, as florestas nativas e os sistemas agroflorestais formam paisagens mistas mais complexas, que apresentam o melhor compromisso entre os dois indicadores, pois resistem melhor ao fogo e assim conseguem sequestrar o carbono no longo prazo.

De acordo com estes resultados, modelámos a melhoria das condições nas regiões mais afectadas pelos incêndios extremos, e descobrimos que a resolução do problema passa por uma diminuição drástica da proporção das plantações florestais de eucalipto e pinheiro-bravo na paisagem. Em seu lugar deveriam ser instalados espaços agrícolas, sistemas agroflorestais ou floresta nativa para formar paisagens mistas que apresentam um superior desempenho em ambos os indicadores, segundo os nossos resultados.

A compreensão das implicações do uso da terra ao nível das paisagens é prioritária para informar políticas públicas para prevenir e reverter os problemas severos que a desertificação e os incêndios extremos provocam no nosso território.

Estes resultados já foram publicados num artigo que escrevi com os meus orientadores do Instituto Superior de Agronomia, em versão ainda não revista pelos pares.

Engenheiro florestal, aluno de doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa

Sugerir correcção
Ler 1 comentários