Nas últimas três décadas, o ar da Europa é o mais seco dos últimos 400 anos, de acordo com um estudo que analisou os anéis de 45 árvores espalhadas por todo o continente europeu. O trabalho, publicado há poucos dias na revista Nature Geoscience, alerta para os perigos desta tendência no sector florestal, no agrícola e também para a saúde humana.
“Demonstrámos que uma intensificação da secura da atmosfera em décadas recentes em diferentes regiões-alvo europeias não tem precedentes num contexto pré-industrial e isso é atribuído à influência humana com uma probabilidade superior a 98%”, lê-se logo no resumo do estudo, levado a cabo por uma rede de 68 investigadores liderada por Kerstin Treydte, do Instituto Federal Suíço para a Investigação da Floresta, da Neve e da Paisagem, em Birmensdorf, na Suíça.
A humidade da atmosfera traduz a quantidade de vapor de água contido no ar. Essa quantidade depende da temperatura e da pressão. Quanto maior for a temperatura, maior quantidade de vapor de água pode estar contida num dado volume de ar. A humidade é proveniente da evaporação de água vinda do solo e da vegetação e da evaporação que ocorre ao nível dos oceanos e depois é transportada para os continentes.
A equipa de investigação estava interessada em obter um historial da humidade do ar, mais precisamente de um parâmetro chamado défice de pressão de vapor (DPV). O DPV representa a diferença entre a quantidade máxima de vapor de água que o ar pode suportar num dado momento e o vapor de água que, na realidade, contém. Por isso, um DPV alto significa que o ar está seco, o que pode ter consequências.
“Um DPV alto pode aumentar o ritmo de perda de água do solo e um subsequente aquecimento das superfícies terrestres”, lê-se no artigo. “Por isso, o DPV enquanto variável climática tem uma importância fundamental ao nível ecológico e socioeconómico devido aos seus efeitos na evapotranspiração e nos fluxos de calor à superfície e, em conjunto com as ondas de calor, na amplificação dos efeitos da seca com consequências severas no funcionamento da vegetação, no rendimento agrícola e, consequentemente, na saúde humana.”
Traços nos anéis
Os anéis de crescimento das árvores, fáceis de se identificar quando se observa um tronco cortado, podem ajudar a inferir o DPV. Cada anel, que representa o crescimento da árvore ao longo de um ano (mas com mais evidência durante os meses quentes, quando a árvore cresce mais), contém traços moleculares que permitem inferir as condições a que a árvore estava submetida durante esse ano.
Os cientistas foram pesquisar a quantidade de um isótopo do oxigénio (uma das variantes do átomo do oxigénio, que é mais rara e mais pesada do que a variante mais comum) nos anéis daquelas 45 árvores centenárias de diferentes espécies, como o pinheiro, o carvalho, o cedro, a faia, entre outras, durante a temporada de Verão (Junho, Julho e Agosto). Quando, num dado anel, este isótopo surge em maiores concentrações, é porque o DPV era maior e o ar atmosférico desse ano era mais seco.
A equipa analisou árvores situadas na Europa Central e de Leste, no Reino Unido, na Escandinávia e algumas no Mediterrâneo. Apesar de haver uma variação entre as regiões, os cientistas identificaram algumas variações continentais de 1600 para cá, com temporadas em que o DPV era mais alto e outras em que o DPV era mais baixo.
Mas os resultados para as primeiras décadas deste século sobressaem em relação aos últimos 400 anos. “Usando simulações através de modelos, os autores fizeram vários testes a partir dos resultados obtidos pela informação dos anéis de árvores”, adianta um comunicado do Instituto Federal Suíço para a Investigação da Floresta, da Neve e da Paisagem. “As simulações indicam que o DPV no século XXI é excepcionalmente alto, quando comparado com os valores pré-industriais. Além do mais, eles demonstram que os níveis do DPV de hoje não poderiam ser alcançados sem as emissões dos gases com efeito de estufa. Ou seja, a influência humana é óbvia.”
Esta tendência pode ter impacto na agricultura, porque um ar atmosférico mais seco vai fazer com que as culturas necessitem de mais água. Por isso, “mais irrigação é necessária e o rendimento das colheitas desce”, explica Kerstin Treydte, citada no comunicado. “Nas florestas, o fornecimento de madeira e o sequestro de carbono estão sob risco, o que leva a incertezas, no futuro, em relação à regulação climática e ao armazenamento de carbono nestes ecossistemas”, adianta a investigadora, explicando que este trabalho pode ajudar a aperfeiçoar as simulações usadas para prever os cenários futuros, mais precisamente os impactos que um clima mais seco pode ter nos ecossistemas e nas sociedades humanas.