Costa deixa Marcelo a falar sozinho e recusa estar a fazer campanha eleitoral
Primeiro-ministro diz que nunca comentou palavras do Presidente da República e não seria agora que o faria. “Outros têm função de comentar”, disse. E frisou “necessidade imperiosa” de avançar com TGV.
Foi um António Costa visivelmente satisfeito com os progressos nas obras da nova Linha Circular do Metropolitano de Lisboa, cujos trabalhos de construção visitou no lugar da futura estação da Estrela, ao início da tarde desta terça-feira, aquele que apareceu aos jornalistas. Ouvindo com atenção todas as explicações técnicas sobre o projecto que lhe iam sendo prestadas pelos engenheiros dos empreiteiros e os responsáveis da empresa de transportes, quando chegou o momento de prestar declarações, o primeiro-ministro deu ênfase à importância desta obra para o esforço de descarbonização. E decepcionou todos os que esperavam por uma reacção ao discurso de Ano Novo do Presidente da República e aos reparos à sua governação nele contidos.
“A minha função não é a de ser comentador. Em oito anos em funções, nunca o fiz, não é agora que o vou começar a fazer. Não é essa a função do primeiro-ministro. Não faço concorrência a quem tem essas funções”, disse Costa, quando desafiado a tecer uma apreciação às observações negativas que Marcelo Rebelo de Sousa fez, no primeiro dia do ano, ao que vê como fragilidades governativas em áreas tão importantes como a habitação, a saúde e o combate à pobreza. “Outros têm a função de comentar e eu não lhes faço concorrência”, afirmou, sem deixar de se referir, numa outra insistência dos jornalistas, ao sublinhado que Marcelo fez à importância de os portugueses consumarem a sua participação através do voto.
“A democracia fortalece-se sempre quando os cidadãos participam. É muito importante que, havendo um acto eleitoral, que foi decidido e convocado pelo Presidente da República, todos participem. É fundamental que não se deixe para os outros a escolha que a cada um de nós cabe fazer. Como primeiro-ministro, não me cabe dizer mais, mas em outras circunstâncias, em outras funções, poderei dizer algo mais sobre o que fazer com o voto”, afirmou o também ministro das Infra-Estruturas e das Obras Públicas, cargo que desempenha desde a demissão de João Galamba.
A referência a “outras circunstâncias”, embora implícita, surge quando se sabe que António Costa discursará na abertura do congresso do PS, que decorrerá de 5 a 7 de Janeiro, em Lisboa, e que servirá de acto legitimador da liderança de Pedro Nuno Santos. Enquanto secretário-geral cessante do partido, Costa fará uma intervenção política e um balanço da actividade do Governo e do PS nos últimos anos.
Mas nada o impede de continuar no normal exercício das suas funções governamentais, disse. “Um governo em gestão deve gerir, não significa ficar parado. O estar em gestão não significa que o país esteja em gestão. O país está em actividade, os senhores estão a trabalhar, quem trabalha nesta obra está a trabalhar, o metro funciona e continua a circular. O país não pode parar porque vai haver eleições. Isso é o normal em democracia”, frisou.
E não teme que o acusem de estar já em campanha para as eleições de Março, perguntou-se-lhe. “Não. A partir do momento em que são marcadas as eleições, o Governo está obrigado a um dever de recato do período pré-eleitoral. Estamos longe ainda desse momento e é importante que o país tenha a noção de que não há nenhuma razão para parar”, persistiu. “Pelo contrário, tudo nos convida a que aceleremos a acção. Porque este 2024 vai ser um ano particularmente exigente”, disse, sem deixar de referir o que considerou serem importantes conquistas do seu Governo.
“Conseguimos que, apesar da criação muito forte de emprego, houvesse uma subida constante dos rendimentos acima da inflação. Conseguimos que a inflação se reduzisse significativamente. Não se pode estragar aquilo que de bom temos. É necessário continuar, sem estragar”, afirmou.
E, nesse espírito de manter o “bom trabalho”, Costa fez questão de sublinhar a necessidade de chegar a um consenso sobre a construção da linha de TGV Lisboa-Porto-Braga-Vigo, que faz parte do Plano Nacional de Investimentos como um dos mais relevantes a realizar pelo país até ao final da década. “Temos a oportunidade de obter um financiamento até 750 milhões de euros da União Europeia, se tivermos o concurso aberto até à data-limite de apresentação destas candidaturas, que é o final de Janeiro. Espero que toda a gente compreenda a necessidade imperiosa de lançarmos o concurso, para não desperdiçarmos um financiamento importante”, afirmou.
Sem nunca se referir às supostas objecções do PSD relativamente ao avanço de tal projecto, o primeiro-ministro deixou um aviso. “Bem sei que estamos melhor, do ponto de vista financeiro, do que há alguns anos. Mas nenhum país, mesmo os países ricos, se pode dar ao luxo de desperdiçar um financiamento de 750 milhões para uma obra que é estruturante para o desenvolvimento do país. E que hoje é consensual.”