Filomena Marona Beja (1944-2023), uma obra com os pés bem assentes na História

Romancista foi distinguida com os grandes prémios de Romance e Novela da APE, por A Cova do Lagarto (2007), e de Literatura DST, pelo livro A Sopa (2006).

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Filomena Marona Beja (1944-2023) DR

A escritora Filomena Marona Beja, autora do romance A Cova do Lagarto (2007), distinguido com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE), morreu na passada sexta-feira, no Hospital de S. José, em Lisboa, onde estava internada. Tinha 79 anos, e as cerimónias fúnebres foram realizadas no domingo em Rio de Mouro, concelho de Sintra, noticiou esta segunda-feira o Jornal de Notícias, informação confirmada pela Lusa junto de Marcelo Teixeira, seu editor na Parsifal.

“O património literário e humano que nos deixa é um exemplo maior de denúncia das injustiças sociais e constitui um grito vivo de defesa dos ideais de liberdade e de solidariedade, pelos quais sempre lutou e que abnegadamente defendeu”, destaca a editora Parsifal, em comunicado citado pela Lusa, referindo-se à escritora como “uma das vozes mais singulares da literatura portuguesa”.

Também o editor João Rodrigues – que a publicou logo no início da sua carreira, com A Sopa (2004), sob a chancela da Ambar, romance que lhe valeria o Grande Prémio de Literatura DST dois anos depois – diz que Filomena Marona Beja “acabou por escrever histórias sempre com alguma tonalidade social e histórica, sempre com os pés assentes na História de Portugal e na vida urbana”.

“A sua escrita tem a precisão de uma cientista, uma secura muito interessante, sempre em luta com as palavras”, diz ao PÚBLICO João Rodrigues, que editou também a autora na D. Quixote (A Duração dos Crepúsculos, 2006) e, mais recentemente, na Sextante, com os títulos As Cidadãs (2010, reedição do seu primeiro romance, que em 1998 tinha saído na Cotovia), Bute Daí Zé e A Cova do Lagarto (ambos em 2010) e Histórias Vindas a Conto (2011, um livro de contos ilustrado com fotografias de André Beja).

Sobre o livro distinguido com Grande Prémio de Romance e Novela da APE, A Cova do Lagarto, um romance biográfico do ministro das Obras Públicas Duarte Pacheco e um retrato da vida urbana nos tempos da ditadura do Estado Novo, João Rodrigues diz tratar-se de uma obra “admirável e justamente premiada”. Foi também uma obra que “surpreendeu alguns críticos” recorda o editor , por via dessa precisão da linguagem e pela sua atenção ao não excesso de palavras, de vocabulário”, encontrando um paralelismo com o lema de um Julio Cortázar, que dizia ser “preciso estar sempre em guerra com as palavras”, ou o de José Cardoso Pires, defendendo que depois de escrever era preciso usar uma máquina de apagar”.

E João Rodrigues estabelece ainda uma correlação entre esta marca estética e a formação científica e profissional de Filomena Marona Beja, que, durante muitos anos, foi arquivista no Ministério da Educação, tendo desenvolvido um importante trabalho documental sobre a história da construção de escolas em Portugal.

Nascida a 9 de Junho de 1944, em Lisboa, a escritora estudou no Liceu Francês Charles Lepierre e formou-se na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Ainda que tenha começado a publicar tardiamente, cultivou vários géneros literários, do romance ao conto, da novela à crónica. Deixou-nos, entre outros e além dos já citados, títulos como Betânia (2000), Eléctrico 16 (2013), Um Rasto de Alfazema (2015), Avenida do Príncipe Perfeito (2016), Barcas Novas Levam Guerra (2020), Lisboa, Indo e Vindo (2022) e Novelas ao Vento (2023), o seu último romance. Em 2018, publicou De Volta (aos contos) e, pelo meio, um conjunto de novelas ilustradas pela artista plástica Maria José Ferreira, Franceses Marinheiros e Republicanos (2014).

Uma obra que, no seu conjunto, conquistou “um êxito razoável”, nota João Rodrigues, chamando a atenção para o facto de se tratar de “uma escritora discreta, que não era dada a grandes exposições mediáticas, mas que teve bastante reconhecimento pelos seus pares e pela crítica”.

O editor da Sextante realça ainda o trabalho de Filomena Marona Beja na área da intervenção social, educativa e cultural, nomeadamente na colaboração com a organização do arquivo e da obra de Mário Dionísio, com a Casa da Achada e a Associação Abril em Maio.

Notícia actualizada com o testemunho do editor João Rodrigues.

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