Pais de alunos trans pedem a Marcelo que promulgue diploma sobre autodeterminação

“Nem todos os directores escolares respeitam a lei que está em vigor desde 2018 e recusam-se, por exemplo, a reconhecer a mudança de nome dos alunos”, alertou o presidente da AMPLOS.

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Famílias e associação pedem a promulgação do diploma, sublinhando que irá apenas garantir "direitos humanos" Diego Nery

A Associação de Pais e Mães pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género (AMPLOS) pediu uma audiência ao Presidente da República para demonstrar a importância de promulgar o novo diploma sobre regras a adoptar nas escolas.

Em causa está o projecto de lei aprovado no dia 15 no Parlamento e que define as medidas a adoptar pelas escolas para garantir o direito de crianças e jovens à autodeterminação da identidade de género e a protecção das suas características sexuais.

Em declarações à Lusa, o presidente da AMPLOS, António Vale, revelou que a associação foi recebida esta semana na Presidência da República, onde teve a oportunidade de falar sobre o assunto. "Nem todos os directores escolares respeitam a lei que está em vigor desde 2018 e recusam-se, por exemplo, a reconhecer a mudança de nome dos alunos", alertou António Vale.

Histórias de "discriminação"

A Lusa falou com famílias de dois casos de "discriminação e preconceito", nas zonas de Lisboa e Leiria. Manuel e Jorge (nomes fictícios) não se conhecem, mas viveram experiências semelhantes na luta contra o seu corpo e há episódios das suas vidas que quase se confundem: são transgénero, foram alvo de "bullying", tiveram pensamentos suicidas e viram negada a mudança de nome na escola.

Manuel tem 14 anos e estuda na zona de Lisboa. Jorge tem 13 e vive em Leiria. Nas duas escolas, o pedido de mudança de nome foi rejeitado pelos directores, contrariando a legislação portuguesa que garante este direito desde 2018. "É uma falta de empatia, mas também de conhecimento sobre a vida das pessoas. Não podemos forçar as pessoas a ser o que não são. Recusar o seu nome é recusar a sua existência", defende António Vale.

A psicóloga da associação, Ana Silva, vai mais longe e alerta que esta rejeição "é uma violência que pode pôr em causa a vida de uma pessoa", lembrando que as tentativas de suicídio são 40% superiores entre a comunidade trans. Manuel e Jorge poderiam entrar nestas estatísticas.

Manuel estava numa aula quando subiu ao parapeito da janela e ameaçou atirar-se do 3.º andar. Cansado de ser gozado pelos colegas e ignorado pelos professores, o adolescente de 13 anos sentiu que não aguentava mais. Recordou os "quatro bilhetes anónimos" que recebeu quando tinha 13 anos: "Chamaram-me nomes, a dizer que sou uma pessoa nojenta e desagradável, que tinham asco e que tinham de me matar. Nunca soube quem mos tinha mandado".

Aos 13 anos, Jorge já pensou em suicídio e já se automutilou. No ano passado, a mãe recebeu uma mensagem no telemóvel a avisar: "Se me encontrares morto, não estranhes", recordou Teresa. Jorge tinha 10 anos quando disse aos pais que "não se sentia bem no corpo que tinha", que "se sentia sozinho e que não havia mais ninguém como ele". Mas o sofrimento começou aos seis ou sete anos, quando começou a pedir aos colegas que o tratassem por um nome masculino, contou a mãe.

"Canais de comunicação e detecção"

O novo diploma prevê que as escolas devem definir "canais de comunicação e detecção", identificando um responsável ou responsáveis "a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde ao sexo atribuído à nascença".

A escola deve ainda, em articulação com os pais, encarregados de educação ou representantes legais, promover a avaliação da situação, assegurar o apoio e acompanhamento e identificar necessidades organizativas e formas possíveis de actuação.

O diploma, que chegou a ser apelidado pelo Chega de "diploma da retrete", pretende também garantir que todos os alunos têm acesso às casas de banho, ponto que tem gerado polémica, com críticas da Associação de Famílias Numerosas e de associações representativas dos pais e directores escolares, entre outros.

Em resposta às críticas, o presidente da AMPLOS e a psicóloga da associação que acompanha e apoia várias famílias, Ana Silva, recordam histórias de crianças e jovens trans e intersexo que são agredidas verbalmente ou fisicamente quando tentam usar as casas de banho ou os balneários.

A Lusa falou com famílias que revelaram que os seus filhos passam todo o dia sem ir à casa de banho e que a solução encontrada por algumas destas crianças é "não ingerir líquidos". Nos dias em que tem aulas das 8h00 às 16h00, Manuel passa oito horas sem ir à casa de banho. Não se sente bem na das raparigas e não arrisca ir à dos rapazes, contou à Lusa o rapaz trans de 14 anos, que frequenta uma escola da zona de Lisboa.

Em Leiria, Jorge também viveu uma história semelhante. A estudar na mesma escola há vários anos, toda a gente o conhecia quando, no ano passado, assumiu que tinha nascido no corpo errado. Nesse dia, o acesso à casa de banho das raparigas foi-lhe barrado. "Uma vez tentou entrar, mas as raparigas trataram-no mal", contou à Lusa a mãe, acrescentando que "nem arrisca entrar na dos rapazes".

"As escolas têm de ser lugares seguros e de formação de cidadãos. Actos de intolerância são agressões que só servem para afastar as crianças e jovens das escolas", alertou o presidente da AMPLOS. A psicóloga da associação acrescenta que o absentismo e abandono escolar é maior entre estas crianças: "A vida nas escolas é tão difícil que assim que podem saem de lá", alertou Ana Silva, explicando que saindo da escola precocemente, acabam por comprometer todo o seu percurso escolar e futura vida profissional.

Famílias e associação pedem por isso a promulgação do diploma, sublinhando que irá apenas garantir "direitos humanos" e que, nas escolas, as vítimas continuam a ser esta minoria.

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