O Parque Nacional de Doñana, na Espanha, já não faz parte da Lista Verde da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla inglesa) – uma distinção atribuída a áreas protegidas com sucesso em diferentes geografias. Esta exclusão inédita deve-se à má gestão daquela zona húmida andaluza com 54 mil hectares.
O Governo espanhol anunciou há um mês, segundo a agência EFE, um acordo de 1,4 mil milhões de euros precisamente para tentar proteger Doñana. O objectivo é diversificar a economia local e travar a utilização dos aquíferos locais para irrigar culturas de frutos vermelhos (sobretudo o morango).
“Há mais futuro para além dos morangos e das framboesas”, disse Teresa Ribera, ministra espanhola para Transição Ecológica, ao diário britânico The Guardian. “E, de qualquer forma, senão cuidarmos da água, não haverá mais morangos ou framboesas. Acho que esta mudança de mentalidade precisa de uma compreensão muito clara”, referiu.
A exclusão da Lista Verde não é uma surpresa: uma avaliação prévia da comissão de peritos da IUCN, divulgada em Julho deste ano, indicava que aquela área verde não reunia as condições necessárias para integrar o grupo de 77 locais, distribuídos por 60 países, que merecem o “selo” de qualidade ecológica. Dos 50 indicadores da avaliação, Doñana só passou em 17, e falhou em todos os directamente relacionados com a preservação natural.
“Esta saída faz, para mim, todo o sentido. A Lista Verde distingue áreas protegidas que têm uma gestão exemplar, que combinam o bem-estar da população local com a preservação da biodiversidade – e isto não acontece em Doñana. Não somos um bom exemplo de boa gestão para combinar actividades produtivas e biodiversidade”, explica ao PÚBLICO Miguel Clavero, biólogo da Estação Biológica de Doñana.
Em causa estão culturas de regadio intensivo que estão a exaurir os aquíferos subterrâneos, os mesmos que sustentavam ecossistemas lacustres e de pântano. Há lagoas que simplesmente desaparecem. Uma seca persistente, que já dura mais de uma década, assim como a pressão turística, também têm um algum peso na equação. Mas a avaliação da IUCN é clara no que toca ao principal culpado: a sobreexploração dos reservatórios naturais de água no subsolo.
“A situação actual é muito má. Depois do acordo de 2014 – conhecido como o ‘acordo do morango’ –, e que previa as zonas específicas de irrigação, houve o desenvolvimento ilegal de novas zonas de cultivo. Esta ilegalidade, somada à situação actual de seca hidrológica, é a razão pela qual Doñana está na situação doente em que está e, por isso, não pode mais fazer parte da Lista Verde”, resume o biólogo da Estação Biológica de Doñana.
Plano de recuperação
As autoridades nacionais e regionais de Espanha assinaram um plano conjunto para impedir que Doñana seque de vez. Mas este esforço já chega tarde para manter na Lista Verde o parque que abriga meio milhão de aves aquáticas, servindo ainda de ponto de paragem para outros milhões de aves que migram de África para o Norte da Europa.
Teresa Ribera disse que o acordo de 1,4 mil milhões de euros pretende encorajar os agricultores a abandonar culturas que dependem fortemente dos aquíferos – é o caso dos frutos vermelhos. Assim, a responsável espera que se possa preservar aquela que é uma das maiores zonas húmidas da Europa.
“Este é um acordo que permite acabar com a pressão sobre um tesouro natural como há poucos no mundo”, disse Teresa Ribera, citada pela AP.
Já em declarações à agência EFE, no início deste mês, a ministra espanhola manifestou-se confiante nas medidas pensadas para o parque nacional, que incluem a compra de terrenos a privados pelo Estado. O objectivo é expandir a área protegida e travar novos projectos agrícolas que dependam de furos ilegais. “O importante, o fundamental, é trabalhar contra o relógio para poder repor a qualidade de vida do ecossistema, para poder recuperar uma Doñana viva”, indicou Teresa Ribera.
O acordo prevê que Andaluzia cancele os planos previamente anunciados de aumento da irrigação na zona limítrofe de Doñana. Este plano de expansão andaluz havia sido criticado não só por ambientalistas e pelo Governo central, mas pela própria UNESCO.
UNESCO “preocupada”
A vasta zona húmida na Andaluzia é ainda Património Universal da UNESCO desde 1994. Miguel Clavero teme que o parque venha igualmente a perder esta classificação no futuro. “Também pode estar em perigo, esperamos que não aconteça”, diz o biólogo, admitindo a que má gestão daquela área protegida faz com que seja cada vez “mais difícil ser optimista”.
A UNESCO manifestou “preocupação” com a situação do parque andaluz e ponderou incluí-lo na lista do “património em perigo”. “A UNESCO está preocupada com relatos de propostas de alterações legislativas a nível regional ao Plano Especial de Gestão para as Zonas de Irrigação na parte norte da Coroa Florestal de Doñana (o “Plano do Morango”), que poderiam ameaçar as próprias razões para o reconhecimento de Parque Nacional de Doñana como Património Mundial da UNESCO. Doñana também é Reserva da Biosfera da UNESCO desde 1980”, refere um comunicado da organização divulgado em Maio.