O criador de larvas Rendria Labde mima as suas moscas-soldado-negro com guloseimas saborosas – e não é de se admirar: para ele, estes insectos são guerreiros que travam uma batalha urgente contra os montes de resíduos alimentares que ameaçam transbordar num aterro em Jacarta, (ainda) capital da Indonésia.
A maioria do lixo desta cidade com mais de 10 milhões de habitantes acaba no aterro de Bantar Gebang, em Bekasi, uma cidade-satélite de Jacarta. Mas Labde teve uma ideia melhor: alimentar as suas moscas-soldado-negras (Hermetia illucens) com os restos de comida e depois vender as larvas secas aos fabricantes de rações para animais e peixes. E assim fundou a Magalarva.
"Sendo um rapaz da cidade, olhei à minha volta e vi qual era o maior problema da cidade. Precisava de fazer alguma coisa em relação aos resíduos", diz Labde, que lançou a Magalarva em 2018 e é conhecido pela alcunha de "senhor das moscas".
A Magalarva recolhe resíduos alimentares, que são depois separados nas instalações da empresa e utilizados como fonte de alimentação para as larvas da mosca-soldado-negro. O processo de bioconversão transforma os resíduos alimentares em larvas de massa corporal rica em proteínas e em fertilizantes orgânicos. Actualmente, a empresa recebe diariamente de cinco a seis toneladas de resíduos alimentares e produz cerca de 250 quilos de larvas secas.
Tudo começou em 2016, quando Labde decidiu descobrir mais sobre o próprio rasto de lixo, seguindo-o até Bantar Gebang, uma experiência "colossal" que o deixou impressionado com a dimensão do aterro e com a sua má manutenção.
À medida que a riqueza e a população de Jacarta aumentaram nos últimos anos, as infra-estruturas vitais, como a recolha de lixo e os serviços de reciclagem, têm tido dificuldade em acompanhar o ritmo.
Muitas cidades indonésias dependem de catadores informais para manter as ruas limpas, separando resíduos com valor e, por vezes, reciclando-os, enquanto o resto é frequentemente queimado nas bermas das estradas ou atirado para os cursos de água, onde pode causar inundações ou ser arrastado a jusante e degradar as zonas costeiras do arquipélago.
A maior parte do resto do lixo acaba em aterros sanitários, que, a nível mundial, são responsáveis por cerca de 11% das emissões de metano. Prevê-se que este valor aumente cerca de 70% até 2050, à medida que a população mundial continua a aumentar, de acordo com o Banco Mundial.
"Os aterros sanitários mal concebidos podem contaminar as águas subterrâneas e emitir gases com efeito de estufa para a atmosfera", afirmou Nick Jeffries da Fundação Ellen MacArthur, uma organização sem fins lucrativos que trabalha para criar uma economia circular global. Os incêndios em aterros sanitários também afectam a saúde humana, acrescentou.
Estes perigos eram demasiado evidentes para Labde quando visitou Bantar Gebang, onde as pilhas de lixo se elevam a 50 metros de altura e que, segundo as autoridades, poderá atingir a sua capacidade máxima dentro de dois anos.
"Todos os países do mundo estão a fazer aterros sanitários, mas porque é que nós somos os piores?", pergunta Labde, de 32 anos, enquanto se senta no escritório da Magalarva, um espaço cheio de sacos de larvas secas.
Longe da vista, longe do coração
Inaugurada em 1989, a lixeira de Bantar Gebang, utilizada por Jacarta, cobre mais de 81 hectares e é o único aterro sanitário da capital e o maior do Sudeste Asiático. Cerca de 100 máquinas bulldozers e 800 pessoas trabalham no enorme local onde vão parar 90% dos resíduos da cidade.
Cerca de 6000 trabalhadores informais (por vezes acompanhados pelos filhos) também percorrem as montanhas de lixo, procurando tudo o que tem valor para levar para locais de reciclagem no exterior do aterro.
Durante a estação seca, deflagram regularmente incêndios no local. Já a chuva no período das monções podem fazer com que os montes de lixo se desmoronem e se espalhem para fora dos limites do aterro.
No ano passado, Bantar Gebang recebeu 7500 toneladas de resíduos por dia, contra 6400 toneladas em 2015, disse um funcionário do aterro, que pediu para não ser identificado porque não está autorizado a falar com os jornalistas. Os materiais orgânicos, como os resíduos alimentares e de jardim, representam 50%, os plásticos 23% e o papel 17% do total.
"Dentro de dois anos, se as condições se mantiverem, atingiremos a nossa capacidade máxima", disse à Thomson Reuters Foundation, acrescentando que não havia "nenhum plano" em vigor caso isso acontecesse.
Existem cerca de 2000 instalações de reciclagem em Jacarta e as famílias são encorajadas a separar os seus resíduos e a utilizar os pontos de recolha de reciclagem. Mas os serviços de recolha ao domicílio são escassos e as empresas são responsáveis pela gestão dos próprios resíduos. Há ainda algumas empresas de gestão de resíduos a depositarem ilegalmente o lixo.
O Governo proibiu sacos de plástico de utilização única nos centros comerciais e mercados de rua em Jacarta, mas a medida não é respeitada.
Mohamad Bijaksana Junerosano é o fundador e director executivo da Waste4Change, que recolhe o lixo mediante o pagamento de uma taxa e o leva para quatro pequenos locais de reciclagem em todo o país, incluindo um perto de Bantar Gebang.
Junerosano, que tem cerca de 15 anos de experiência no sector, disse que os problemas de resíduos de Jacarta foram causados pela fraca aplicação das leis, pela falta de parcerias público-privadas e pela escassez de mecanismos de financiamento justos e adequados para uma gestão responsável dos resíduos.
As pessoas em Jacarta têm uma mentalidade de "longe da vista, longe do coração" em relação ao lixo. E, como a lei não é aplicada, as "regras do jogo" não são respeitadas, disse Junerosano.
"O mínimo para sermos viáveis é como duas chávenas de café, 60.000 rupias (aproximadamente 3,50 euros) por mês e por família", disse, referindo-se a quanto custa à sua empresa recolher o lixo de uma família. "Mas a disponibilidade para pagar é de apenas de 20.000 a 30.000 rupias (menos de dois euros)".
Soluções para o lixo em debate
Em 2018, a Indonésia gerou 65,79 milhões de toneladas de resíduos, 44% dos quais eram de origem alimentar, de acordo com Mushtaq Memon, coordenador de produtos químicos e acções de poluição para a Ásia-Pacífico no Programa das Nações Unidas para o Ambiente.
Destes, 72% foram geridos e 28% não foram tratados, sendo que 69% dos resíduos geridos acabaram em aterros e apenas 12% foram reciclados.
"Com mais de metade da população da Indonésia a residir em ambientes urbanos, a gestão de resíduos nas cidades é uma questão crítica para os governos, as indústrias e os cidadãos", afirmou Memon.
Deve ser dada prioridade a políticas que incentivem as pessoas a separar e seleccionar os resíduos, a reduzir a perda e o desperdício de alimentos e a formar e apoiar os catadores, acrescentou.
"Ao dar formação aos colectores para identificarem e separarem os resíduos uns dos outros, é possível aumentar as taxas de reciclagem e a qualidade dos materiais recicláveis, bem como melhorar os rendimentos desta actividade", afirmou.
Labde enfrentou os próprios desafios ao tentar tornar-se parte da solução. A Magalarva já teve de mudar de instalações três vezes, duas delas devido a queixas sobre o cheiro libertado pelos resíduos.
Mas a empresa está nas instalações actuais há três anos, recebendo resíduos alimentares de um grande produtor de leite, de empresas de recolha de resíduos, de locais de recolha de resíduos utilizados por catadores, de um grande mercado popular e de 200 agregados familiares.
As encomendas que chegam para adquirir o ingrediente de alta proteína para alimentação animal são seis a oito vezes superiores à capacidade actual, disse Labde, acrescentando que espera expandir quando tiver capital para o fazer.
"Eu adoro moscas. O que elas estão a fazer com o processamento de todos os resíduos é o círculo da vida. Fico-lhes sempre grato", conclui o "senhor das moscas".