As celuloses queimam árvores autóctones do Estado
Têm sido recorrentes os anúncios de investimentos “verdes” por parte das empresas de celulose, produtoras também de eletricidade, na substituição das suas caldeiras a gás natural, um combustível fóssil, por caldeiras a biomassa, especificamente pela queima de material lenhoso.
Os investimentos anunciados como “verdes”, de “descarbonização”, “carbono zero”, em “energias renováveis”, ou com o prefixo “bio”, de bioenergia, biocombustíveis, biometano, bioprodutos ou bioeconomia, são cada vez mais motivo para fortes suspeitas quanto às verdadeiras intenções. Há que os analisar à lupa! Uma dessas intenções passa pelo recurso a generosas fontes de financiamento público.
As políticas europeia e nacional, através da atribuição de subsídios e da aplicação de taxas ao consumo de eletricidade, favorecem operações de queima de madeira, de troncos de árvores, para a produção de energia. Explicado de forma simples, os contribuintes e consumidores viabilizam um negócio com rótulo “verde”, que em mercado não intervencionado pelos orçamentos públicos seria ruinoso.
Os cientistas apontam a produção de energia a partir da combustão de biomassa, essencialmente de madeira e de cereais, como geradora de fortes impactos na biodiversidade, nos solos e recursos hídrico, no acréscimo de emissões de gases com efeito estufa e de poluição atmosférica, para além de, em certos países e quanto à queima de cereais, providenciarem o aumento da dependência alimentar externa.
Um relatório do Centro Comum de Pesquisa da Comissão Europeia (JRC, na sigla em inglês) aponta para os riscos associados à queima de biomassa para energia. Para além das emissões de gases de efeito estufa associados, o acréscimo de poluição atmosférica por essa queima também é registada, associada, entre outros, a monóxido e dióxido de carbono, aos óxidos nitrosos e ao material particulado, todos com impacto no agravamento das condições de saúde cardiorrespiratória das populações.
Por cá, a justificação dos “benefícios” da queima de material lenhoso face ao perigo de incêndios florestais proporciona leitura oposta. Aos que afirmam que reduz o perigo, há a leitura mais realista de que potencia esse perigo. Ou seja, os ardidos têm custo substancialmente mais baixo de aquisição e menor teor de humidade, fatores que favorecem o negócio da bioenergia.
Um estudo disponibilizado no início deste ano, relativo a Portugal, apontava as celuloses como dominantes na produção de eletricidade a partir da queima de biomassa. O mesmo apontava para a escassez de sobrantes da silvicultura e exploração florestal, abusivamente designados “resíduos florestais”, o que levanta a necessidade potencial da queima de troncos. Nestes últimos incorporam-se a queima de troncos de árvores de espécies autóctones, aquelas que, no seu conjunto, registam maior decréscimo em área no território nacional.
A confirmação da utilização de arvoredo autóctone para queima nas celuloses, não se vê outra que não para produção de energia, é dada pela consulta de documentação relativa à madeira de pinheiro manso extraída no final de 2021 da Mata Nacional dos Medos, em Almada. Nessa documentação, foram inscritas 3000 toneladas de material lenhoso de pinheiro manso com destino a uma unidade de abastecimento de uma celulose situada no concelho de Setúbal. Os motivos para a extração dessa madeira de pinheiro manso a partir desta área Património do Estado permanecem sob suspeita.
Em todo o caso, o valor acima inscrito tem forte probabilidade de ser uma mínima fração da madeira de espécies autóctones, presume-se que essencialmente de propriedade privada, utilizada pelas celuloses para as suas novas caldeiras de carbonização. Para além destas unidades, há no país uma miríade de outras médias e pequenas centrais a biomassa, para além de unidades de produção de pellets de madeira (para queima posterior), estas essencialmente para exportação. Esperamos que haja árvores autóctones que fiquem em pé neste país. Afinal, precisamos delas face aos riscos associados às alterações climáticas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico