Diana usa drones para mapear lixo marinho e proteger tartarugas
Investigadora da Universidade do Porto cartografa o lixo marinho em sete ilhas de Cabo Verde. O objectivo é proteger a tartaruga-comum dos vários danos causados pela poluição plástica.
Uma investigadora portuguesa está a mapear, com a ajuda de drones, quais são as áreas mais vulneráveis onde as tartarugas depositam ovos em Cabo Verde. Esta futura cartografia vai considerar não só a quantidade de lixo marinho nas praias, calculada a partir de imagens aéreas, mas também estimativas globais da subida do nível médio do mar.
“Quanto menor e mais poluído for o areal, mais dificultada será a nidificação das tartarugas. Isto acontece não só porque elas ficam com menos área para pôr os ovos, mas também porque verificámos os danos que o plástico pode causar aos ninhos, ovos e juvenis”, explica ao PÚBLICO a bióloga Diana Sousa Guedes, estudante de doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).
A poluição plástica que vem dar à costa oferece um cocktail de problemas: contamina a praia com substâncias químicas persistentes, está associada ao aumento da temperatura do areal e, por fim, produz um “efeito barreira” que dificulta a vida das tartarugas “bebés”. Quando os juvenis eclodem do ninho, são obrigados a enfrentar uma corrida de obstáculos plásticos, podendo ficar presos em redes ou outros resíduos, sem conseguir chegar ao mar.
A investigadora de 32 anos espera que este mapa, uma vez concluído, ajude a direccionar os esforços de conservação da tartaruga-comum (Caretta caretta), uma das sete tartarugas marinhas existentes no planeta. Esta espécie está classificada como vulnerável na lista vermelha elaborada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
Quantidade “alarmante” de lixo
Iniciado em 2021, em plena pandemia, o trabalho de campo concentrou-se em sete das nove ilhas que compõem o arquipélago: Boavista, Maio, Sal, Santa Luzia, Santiago, Santo Antão e São Vicente. Foram ainda recolhidas amostras de areia em 62 locais, que depois foram testadas para a presença de plásticos de diferentes tamanhos (do micro ao macro).
Entre os trabalhos concluídos a partir desta expedição está uma análise feita em Santa Luzia, uma ilha remota e desabitada. Apesar de ninguém viver ali, a quantidade de lixo encontrada pelos cientistas era “alarmante”. Só numa das praias da ilha foram contabilizados 917 itens de plástico grandes, médios e pequenos (maiores de um milímetro) por metro quadrado.
“Por outro lado, na ponta oposta da ilha [de Santa Luzia], não detectámos quase nada de lixo marinho nas praias. Isto mostra o papel das correntes oceânicas: estando na rota do Giro do Atlântico Norte, as praias do Norte e Leste dessa ilha acumulam muito do lixo que vem do oceano”, observa Diana Sousa Guedes, que submeteu as conclusões deste trabalho à Environmental Pollution, uma publicação científica revista por pares.
Cerca de 80% do lixo marinho encontrado no local correspondia a materiais associados à pesca – caixas, cordas, redes e recipientes –, avalia a investigadora da FCUP. Diana Sousa Guedes espera que o mapa sirva como uma ferramenta para desenhar estratégias como, por exemplo, acções de sensibilização junto da comunidade piscatória.
“Como se tivessem um GPS”
As tartarugas marinhas depositam os ovos sempre na mesma praia. “É incrível, funcionam como se tivessem um GPS, a ciência ainda não conseguiu explicar ao certo este fenómeno natural”, observa Diana Sousa Guedes, numa videochamada com o PÚBLICO.
Chegada a época da desova, estes animais podem realizar longuíssimas viagens só para fazer ninhos no sítio do costume. E é aí que a subida do nível do mar se torna uma ameaça. Se a praia de eleição de uma determinada tartaruga “emagrecer”, as chances de sucesso na reprodução diminuem, pois há menos espaço para a enterrar os ovos.
Acresce que o areal disponível pode ficar muito molhado, inundando o ninho e inviabilizando os ovos. Só na última década, segundo as Nações Unidas, a subida do nível médio do mar duplicou.
Filme “Marés de Plástico”
Em Setembro deste ano, Diana regressou à Boavista, Cabo Verde, com a co-orientadora Filipa Bessa, investigadora do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (Mare) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Juntas, produziram na ilha um mini-documentário intitulado Marés de Plástico, um filme que envolveu instituições cabo-verdianas e espanholas. A organização BIOS.CV foi uma delas.
O documentário inclui dados sobre a fase inicial na investigação. Em 2021, por exemplo, Diana Sousa Guedes comparou os padrões de emergência de juvenis da tartaruga-comum em ninhos com e sem plástico. E concluiu que, quando havia matéria plástica à superfície, estes obstáculos perturbavam a emergência sincronizada dos juvenis.
Por outras palavras, os resíduos plásticos funcionavam como uma barreira e impediam que as crias saíssem todas ao mesmo tempo do ninho. Isto constitui uma desvantagem, uma vez que saída em bloco reduz o risco de as crias se tornarem presas fáceis de caranguejos, por exemplo.
No ano passado, a investigadora da FCUP avaliou a contaminação química provocada pelos plásticos na areia dos ninhos. Os resultados do estudo indicam níveis significativos de retardadores de chama (PBDEs, éteres difenílicos polibromados), substâncias químicas persistentes que são acrescentadas a vários produtos, incluindo têxteis, e que actuam como disruptores endócrinos.
Neste momento, Diana Sousa Guedes prepara-se para escrever capítulos da tese de doutoramento, uma vez que todo o trabalho de campo já está ultimado. Além de Filipa Bessa, a investigadora tem como co-orientadores Neftalí Sillero, da FCUP, e Adolfo Marco, da Estação Biológica de Doñana, na Espanha.