Foram descobertas cinco novas espécies de ouriços — mas sem picos

Um dos exemplares destes ouriços de pêlo macio estava guardado numa gaveta de um museu há mais de 80 anos.

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Tal como o nome indica, os ouriços de pêlo macio são menos espinhosos do que aqueles que mais vemos em Portugal QUENTIN MARTINEZ
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Estes são ouriços mais felpudos do que espinhosos e não foram descobertos ao ar livre: há décadas que dois destes animais estavam guardados em gavetas num museu norte-americano.​ Em conversa com o PÚBLICO, o investigador Arlo Hinckey recorda a primeira grande descoberta — a espécie Hylomys vorax. “Reconheci que os espécimes não correspondiam à identificação no rótulo. Tinham um tamanho mais pequeno, um focinho mais estreito e uma aparência mais fofa. Foi um momento verdadeiramente emocionante”, refere. “Mas tenho de admitir que sempre imaginei que isto aconteceria num local remoto, durante uma das nossas viagens de campo, e não na baixa de Washington.”

Entre as cinco mais recentes espécies de ouriço de pêlo macio, estes exemplares guardados em gavetas (Hylomys vorax e Hylomys macarong) correspondem realmente a novas espécies. As restantes três — H. dorsalis, H. maxi e H. peguensis —, apesar de já conhecidas, deixaram de ser consideradas subespécies de Hylomys suillus e ganharam o estatuto de espécie. Pertencem à família Erinaceidae, tal como os ouriços-cacheiros.

Regra geral, as diferenças entre subespécies — parâmetros como cor, tamanho ou padrões de comportamento — são mais subtis do que entre diferentes espécies, pelo que o avanço científico advém da identificação de um maior número de particularidades nas linhas genéticas do animal. O estudo conduzido por cientistas do Museu Nacional de História Natural dos EUA, na cidade de Washington D.C., foi publicado na revista científica Zoological Journal of the Linnean Society.

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Um exemplar de Hylomys vorax KATIE SAYERS, SMITHSONIAN/DR

Ao contrário dos demais ouriços-cacheiros, os de pêlo macio são, como o nome sugere, mais peludos do que os espinhosos, mas partilham o focinho pontiagudo e a alimentação omnívora (podem comer insectos a outros invertebrados e alguns frutos). Arlo Hinckley, autor principal do estudo, descreve o visual das agora sete espécies de ouriço de pêlo macio — diferenciadas pelas distintas linhagens genéticas — como “uma mistura de rato e musaranho com cauda curta”.

O Hylomys vorax é uma espécie endémica — ou exclusiva — do Monte Leuser, situado no norte da ilha Sumatra, na Indonésia. Já a Hylomys macarong pode ser também encontrada no sul do Vietname.

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Exemplar de Hylomys macarong Katie Sayers, Smithsonian/DR

Apesar de ambas apresentarem pêlo castanho-escuro, a primeira é não só mais pequena — uma média de 12 centímetros face aos 14 centímetros dos ouriços H. macarong —, como apresenta uma cauda preta e um focinho mais estreito. O nome vorax, escolhido por Hincley e Hawkins, curadora dos mamíferos no Museu Nacional de História Natural de Washington D.C., inspira-se nos escritos do cientista dedicado ao estudo dos mamíferos Frederick Ulmer. Aquando da sua passagem na região, em 1939, Ulmer descreveu o que achava ser um tipo de musaranho como uma “besta voraz”.

Já a escolha de macarong, que em vietnamita significa vampiro, deriva dos compridos dentes incisivos dos machos, cujo papel na selecção sexual está ainda por comprovar. Entre as particularidades da espécie estão também as marcas de cor de ferrugem no peito dos machos, mutação que Hawkins atribui às glândulas de cheiro.

Espécie Hylomys maxi, típica das regiões montanhosas da Península Malaia e da ilha de Sumatra KATIE SAYERS/SMITHSONIAN
Espécie Hylomys dorsalis, típica das montanhas do norte da ilha do Bornéu, na Malásia QUENTIN MARTINEZ
Espécie Hylomys peguensis, típica da Tailândia, Laos e Myanmar CHAROENCHAI TOTHAISONG
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Espécie Hylomys maxi, típica das regiões montanhosas da Península Malaia e da ilha de Sumatra KATIE SAYERS/SMITHSONIAN

Por outro lado, os H. maxi apresentam um crânio mais robusto, um focinho mais largo, um pêlo mais duro e uma cauda quase sempre bicolor. Apesar de também poderem chegar aos 14 centímetros, à semelhança dos H. macarong e dos H. maxi, a espécie H. dorsalis diferencia-se pela risca escura, disposta entre o topo da cabeça e a metade do dorso. Já o ouriço H. peguensis, de pêlo mais amarelado, fica-se pelos 13 centímetros.

As espécies H. maxi, H. dorsalis e H. peguensis​ podem ser encontradas nas regiões montanhosas da península Malaia e da ilha de Sumatra; nas montanhas do norte da ilha do Bornéu, na Malásia; ou em países como a Tailândia, Laos e Birmânia, respectivamente.

O que ainda há por descobrir?

Foi em 2016, entre os estudos de doutoramento, que Hinckley descobriu o seu fascínio por este grupo de pequenos mamíferos. Mas foi só em 2022 que o investigador conseguiu analisar o ADN dos espécimes presentes nas colecções da Instituição Smithsonian, à qual pertence o museu de Washington D.C., e da Academia de Ciências Naturais da Universidade de Drexel, na cidade norte-americana de Filadélfia. Os exemplares essenciais à descoberta estiveram em gavetas durante 84 e 62 anos, respectivamente.

O estudo — financeiramente apoiado pela Instituição Smithsonian, pelo governo espanhol, pela União Europeia e pela Universidade de Harvard — foi o resultado de uma grande e internacional colaboração — dos Estados Unidos da América à Espanha, Suíça, Singapura e Malásia. “Foi uma experiência muito positiva. A coordenação revelou-se surpreendentemente simples, muitos dos colaboradores são também amigos próximos”, partilha.

No total, os investigadores reuniram 232 espécimes e 85 amostras de tecido para análise genética, anteriormente dispersas por 14 colecções de história natural nos três continentes. Na visão de Hinckey, a transnacionalidade da equipa “não só proporcionou uma amostra geográfica mais alargada, como permitiu diversas perspectivas, o que resultou numa melhor qualidade da investigação”.

Com o avanço das técnicas genómicas — utilizadas para o estudo dos genes e da sua função no organismo —, o futuro pode reservar a identificação de mais espécies. “Há muito por descobrir”, salienta o coordenador da investigação, “especialmente entre os animais nocturnos mais pequenos, que podem ser difíceis de distinguir uns dos outros”.

Texto editado por Claudia Carvalho Silva