As renas dormem enquanto ruminam — e descansam mais por causa disso
Comer para descansar: eis o que revela um estudo que aborda as condições de luz sazonal do Pólo Norte e que afectam os ritmos de sono das renas que o habitam.
Mamíferos herbívoros, com grandes hastes e que habitam em locais frios. As renas fazem parte da família dos cervídeos e apresentam um sistema digestivo próprio para o consumo de produtos vegetais, com quatro camadas distintas entre si, e que lhes permite a ruminação. Quanto mais tempo passam as renas a ruminar, menos tempo despendem em sono não-REM: é o que revela um estudo publicado esta sexta-feira pela revista científica Current Biology.
No Verão do Pólo Norte, o Sol não se põe durante um longo período de tempo. Por outro lado, no Inverno, permanece a escuridão durante meses. Os estudos indicam que as renas que vivem no Árctico não apresentam grandes alterações nos comportamentos biológicos em ambas as estações, mas são mais activas nos períodos de luz contínua. Mas terão estas diferenças sazonais impacto na quantidade e qualidade de sono destes animais? Foi o que duas investigadoras tentaram descobrir.
Quatro renas euro-asiáticas (Rangifer tarandus tarandus) foram submetidas a uma análise de sono, durante o Equinócio de Outono e ambos os solstícios. Os registos foram efectuados na Universidade Árctica da Noruega, em Tromso. Os resultados demonstraram que as renas apresentam uma particularidade diferente de outras espécies: o tempo de sono praticamente não se altera ao longo de todo o ano. Este comportamento contrasta com o dos seres vivos que alteram o tempo de sono como resposta às condições do habitat onde vivem.
No entanto, o estudo demonstra ainda que as renas são muito mais activas no Verão, o que “implica que devem ter outras estratégias para lidar com o tempo de sono limitado durante o Verão árctico”, explica ao PÚBLICO uma das autoras do estudo, Melanie Furrer, da Universidade de Zurique. Mas que estratégias serão essas?
Ora, durante o Verão, as renas preparam-se para o Inverno árctico que se avizinha: a comida é abundante e, por isso, alimentam-se durante quase 24 horas por dia, todos os dias da semana. Neste caso, as investigadoras acreditam que isto permite que os animais durmam na mesma o tempo suficiente durante estes meses, só que o fazem muitas vezes a ruminar. “Acreditamos que é muito importante que as renas consigam poupar tempo, ao mesmo tempo que satisfazem as necessidades digestivas e de sono, durante os meses de Verão”, explica Furrer.
Estudos anteriores já haviam revelado que animais como as ovelhas, cabras, bovinos e veados-mateiros produzem ondas cerebrais que se assemelham às do sono durante a ruminação. O que não se sabia era que esta actividade poderia ter uma função restauradora semelhante à que ocorre quando dormimos.
Método e técnica “não-invasiva”
Durante a investigação, as renas foram privadas de sono durante cerca de duas horas, sendo que as ondas cerebrais foram medidas antes e depois da privação. Verificou-se então um aumento da actividade de ondas lentas no cérebro, o que “indicava uma acumulação de pressão de sono”, como revela o estudo. Para o caso, recorreu-se a um electrocefalograma (EEG) não-invasivo. Mediu-se assim as propriedades cerebrais e musculares das renas, assegurando uma perturbação mínima da fisiologia e do seu bem-estar.
Foi da utilização desta técnica que surgiu “a primeira surpresa positiva desta investigação”, como nos revela Gabriela Wagner: o facto de terem obtido “uma qualidade tão boa do sinal das ondas” a partir dos chamados eléctrodos de superfície (ou seja, não-invasivos). “Além disso, foi surpreendente a semelhança dos sinais cerebrais das renas durante o sono profundo com os dos humanos”, acrescentou a investigadora do Instituto Norueguês de Investigação em Bioeconomia.
“No início, quando estávamos a desenvolver este método, era difícil fazer com que os eléctrodos de superfície se mantivessem na pele da rena durante vários dias”, conta Furrer. Por outro lado, do ponto de vista analítico, a parte mais difícil para as investigadoras foi analisar o sinal cerebral durante as fases de ruminação, “uma vez que este estava misturado com sinais da actividade da mastigação”.
As condições de iluminação a que os animais foram sujeitos também tiveram de ser adaptadas. No Inverno, os investigadores adaptaram as janelas do estábulo para simular uma escuridão constante. Os registos foram feitos durante quatro dias em cada estação. Para além da recolha-base dos dados durante 24h, registaram-se duas privações de sono – uma ao meio-dia e outra à meia-noite, cada um com duas horas de vigília.
Quanto mais ruminavam, mais o registo de ondas lentas diminuía. “Isto sugere que a ruminação reduz a pressão de sono, o que pode beneficiar as renas porque significa que não têm de comprometer a recuperação do sono quando passam mais tempo a ruminar”, explica a cientista Melanie Furrer, algo que parece ser crucial para ganhar peso no Verão e no Outono. “A necessidade de sono é muito maior nos mais jovens e nas crias do que nos adultos, por isso seria ainda interessante analisar o sono das renas mais jovens”, conclui Furrer.
Texto editado por Claudia Carvalho Silva