T-Rex saltou de Monte Abraão para o top do Spotify – mas a terra não o esquece (nem ele a ela)

Foi o artista mais ouvido em Portugal no Spotify em 2023. Agora, os tons de COR D’AGUA preenchem os espaços em branco do ringue de Monte Abrãao, onde o rapper cresceu.

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T-Rex (ao centro, de costas) rodeado de fãs Bernardo Casanova

Daniel Benjamim (ou T-Rex) aponta para uma torre alta, em tons de branco e azul. Do 12.ºB, onde viveu parte da sua infância, conseguia ver o ringue de Monte Abraão, em Sintra, que nesta sexta-feira se pintou com as suas cores – ou as do seu seu primeiro álbum, COR D’ÁGUA (2023). “Conheço esta zona como a palma da minha mão”, revela em conversa com o P3.

Os anos passaram. Daniel trocou o skate pela guitarra; o campo deixou de ter balizas e passou a ter cestos. Ele próprio deixou de ser Daniel: adoptou o nome artístico T-Rex. Hoje, é assim que todos o conhecem. Em 2023 subiu ao ponto mais alto da sua carreira (até agora). Se em 2022 já tinha sido o 4.º artista mais ouvido no Spotify em Portugal (com mais de 24 milhões de streams em 170 países), 2023 foi o ano de consagração: conseguiu ser o artista mais ouvido do Spotify em Portugal. E 2024 também promete — tem encontro marcado com o público no dia 12 do NOS Alive, um dos maiores festivais do país.

“O meu foco principal é levar a cultura para muito mais longe, quero levar a arte portuguesa para outros patamares”, assume. Mas sabe que, mesmo que no futuro Portugal se esqueça dele, Monte Abraão não o esquecerá.

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T-Rex é o artista português mais ouvido no Spotify, plataforma onde liderou também a lista de álbuns Bernardo Casanova

COR D’ÁGUA é o seu álbum de estreia. Anormalmente longo para os standards actuais da indústria, é composto por 20 músicas (com faixas com uma média de três minutos de duração, a mais longa com cinco; no total, quase uma hora e um quarto de audição). Contudo, este não é o seu primeiro trabalho. Pelo menos desde 2018 que anda a publicar a sua música em nome próprio — descrita pela sua editora, a Universal, como uma “mistura de rap, R&B e trap e de outras cadências futuristas”. COR D’ÁGUA, lançado em Janeiro de 2023, sucede trabalhos como Chá de Camomila, EP de 2018, e CASTANHO, de 2022.

Para além da carreira a solo, T-Rex integra o Mafia73, um grupo de hip hop da Linha de Sintra, fundado em 2015. DVK, Kush, Demme e Pimp William também fazem parte do grupo, que já lançou cinco projectos: Mercado (2015), Operação Mafia (2016), Operação Vol.2 (2017), Andromeda (Deluxe) (2019) e LIFE. (2020).

T-Rex descreve a sua própria arte como “mista”, culpa dos gostos “versáteis” dos irmãos — Back Street Boys, Michael Jackson, Allen Halloween... Em casa, o que importava era ouvir música — paixão que se sobrepôs, de forma assumida, à escola. “Escrevi a primeira letra quando neguei o primeiro sumário”, afirma, sucintamente – tem o tempo contado para as entrevistas nesta sexta-feira.

Ele é o homem do momento, e vai receber uma homenagem à medida. Em volta do campo, o público que se reúne para brindar aquele que outrora também foi um deles, é maioritariamente jovem. Uns fazem parte dos grupos que se reúnem para jogar basquetebol pela zona, outros vieram porque vivem ali e tiveram curiosidade. A maioria não conhece o percurso de T-Rex enquanto músico, mas referem a importância de se valorizarem as pessoas da terra.

"Sintra" e "T-Rex" — em suma, "origens"

Conhecida pela renovação dos velhos campos da cidade, foi com entusiasmo que a Hoopersstartup criada em 2019 — aceitou o desafio da Universal Music Portugal para renovar o ringue de Monte Abraão. Afinal, também o seu fundador, André Costa, cresceu nas redondezas. “Somos uma plataforma de comunidade e queremos devolver os espaços às pessoas”, refere. Após a pintura urbana de campos em Braga e de várias zonas de Lisboa (Chelas, Alcântara ou Ameixoeira), passando pela Cidade do México, Paris e Nova Iorque, é Monte Abraão que recebe a última obra de arte do ano.

No chão ficaram pintadas palavras como "T-Rex", "Sintra" ou "origens" Bernardo Casanovas
Após a pintura urbana de campos em Braga e várias zonas de Lisboa à Cidade do México, Paris e Nova Iorque, chega a vez de Monte Abraão Bernardo Casanovas
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No chão ficaram pintadas palavras como "T-Rex", "Sintra" ou "origens" Bernardo Casanovas

Aqui, as linhas do campo confundem-se com os coloridos quadrados de COR D’ÁGUA. Além de “T-Rex”, palavra já presente na capa do álbum, lêem-se outras, como “Sintra” ou “Hoopers”. Mas é “origens” a que se destaca.

Miguel Silva, 21 anos, está entre a multidão. Apesar da paixão pela modalidade e da pouca distância que separa o ringue de casa, o jovem pouco ou nada o frequentava. Com a reabilitação do espaço — que além da pintura, ganhou melhores equipamentos —, o campo é agora reflexo do que mais gosta: o basquetebol e a música do conterrâneo.

Para Yasmin Fonseca, o foco era apenas T-Rex — foi por ele que cruzou a ponte, vinda da margem sul do Tejo. Conta ao P3 que o rapper serviu para se ambientar a Portugal depois de ter regressado de Inglaterra. Uma das primeiras coisas que fez foi procurar artistas portugueses e o T-Rex foi um dos primeiros que apareceram. Diz que não sabe explicar por que gosta tanto dele, ao ponto de o seguir por todo o lado. Mas se tivesse de destacar alguma coisa, optaria pelas letras das músicas.

“Sempre que ele faz alguma coisa, eu tento ir”, afirma.

Além dos investimentos dos próprios artistas, o projecto não só contou com o apoio da União das Freguesias de Massamá e Monte Abraão, como da Câmara de Sintra. Perante a grande afluência, Pedro Brás, presidente da junta, fala de um “sentimento de pertença”. Já Bruno Parreira frisa que, ao estarem aqui, “as pessoas sentem a sua terra”. Na visão do vice-presidente da câmara municipal, “um território sem alma é só um sítio onde se dorme”.

E se “cada espaço conta uma história”, palavras de André Costa, o ringue de Monte Abraão reflecte mais um sucesso da comunidade afro-descendente — e da sua música — em Portugal. Para os que vêm e nele se inspiram, T-Rex relembra: “É possível.”

Texto editado por Inês Chaíça

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