Brilhante Dias: “Se o PS ganhar e formar maioria à esquerda, somos todos responsáveis pela solução”
O apoiante de José Luís Carneiro, diz que o “fundo Medina” é “uma boa ideia” e defende que será “muito útil que o PS se sinta todo representado no programa eleitoral que vai defender”.
Líder parlamentar do PS e apoiante de José Luís Carneiro nas directas socialistas, Eurico Brilhante Dias garante, em entrevista ao programa Hora da Verdade do PÚBLICO-Renascença, que o cenário de os socialistas serem necessários para viabilizar um governo do PSD “não vai acontecer”, porque, se houver uma maioria à direita, os sociais-democratas vão “fazer um acordo com o Chega”. O deputado defende ainda que o lugar de Pedro Nuno Santos não está em jogo nas legislativas, mesmo que perca, e sublinha que “a confiança em torno das contas certas é muito importante”.
Pedro Nuno Santos tem falado na necessidade de ter um bom resultado nas legislativas. O que é um bom resultado para o PS? O PS deve pedir a maioria absoluta?
O PS nunca pediu a maioria absoluta. Mesmo nas últimas eleições, não fizemos um pedido de maioria absoluta. Aliás, há muitos analistas que dizem que, a certa altura, termos deixado de falar de maioria absoluta durante a campanha eleitoral foi importante para depois termos uma maioria absoluta. Um bom resultado é, como qualquer partido, ter o maior número de votos possível.
Ficar pouco atrás do PSD é um bom resultado?
Não. Nós queremos ganhar as eleições.
Isso é o mínimo exigível para a liderança de Pedro Nuno?
Somos um colectivo. Não vou determinar fasquias ao meu secretário-geral. Não vou começar aqui a dividir responsabilidades.
No caso de haver uma maioria relativa, o PS teria sempre de pedir ajuda aos parceiros de esquerda?
Com uma maioria de esquerda. Hoje em dia o que está em causa não é saber se há uma maioria de esquerda ou de direita. Se o PS ganhar as eleições e se formar uma maioria à esquerda, somos todos, sem excepção, à esquerda, co-responsáveis por dar ao país uma solução governativa.
A responsabilidade do PCP e do Bloco também existe?
Claro que existe.
Mas Pedro Nuno Santos não tem querido dar esse passo de que pode vir a precisar dessa esquerda.
Não terminei a resposta. Se a maioria for à esquerda, todos temos essa responsabilidade. Todas as forças políticas de esquerda. E isso hoje, para o conjunto dos portugueses, não é um tabu. Só a força do PS consegue fazer avançar o país num quadro atlantista, europeísta e essa correlação de forças é muito importante para fazer avançar o país. Votar no Bloco e no PCP não é a mesma coisa que votar PS. A correlação de forças é muito importante, como disse também Pedro Nuno Santos.
Mas aquilo que o país discute hoje não é isso. A pergunta que se faz aos portugueses é: se o PS ganhar as eleições, como é a forte expectativa que tenho, e apesar de tudo não se constituir uma maioria à esquerda, assumindo o doutor Luís Montenegro que não governará com o Chega – coisa em que eu não acredito –, é saber se o PSD aquilo que fará não será viabilizar um governo liderado pelo PS.
Numa situação inversa, o PS deve viabilizar, como dizia Carneiro?
O PS não deve viabilizar soluções em que participe a extrema-direita.
Mas se não estiver a extrema-direita, precisamente para não haver a extrema-direita.
Não há nenhuma solução estável, se o PS não ganhar as eleições e a esquerda não tiver a maioria. Se o PSD ganhar as eleições e tiver, à direita, uma maioria, terá de resolver com o Chega não é como quer governar, é a forma como lidará com a extrema-direita. Eu não acredito que, se a direita tiver uma maioria, o Chega não seja a solução.
Está ignorar um cenário. Se houver maioria de direita, mas o PSD não quiser depender do Chega, o PS está disposto a viabilizar os orçamentos da mesma forma que disse esperar que o PSD faça?
Esse cenário não vai acontecer. Se houver uma maioria à direita, o PSD vai fazer um acordo com o Chega. Se a direita tiver maioria, mesmo que o PS ganhe as eleições, não tenho a menor das dúvidas: o país terá um governo de direita com a extrema-direita e é por isso que só o voto no PS é um voto confiável para evitar que a extrema-direita chegue ao poder.
Se Pedro Nuno não conseguir ganhar, tem de repensar a sua liderança ou é confortável para o PS continuar a tê-lo como líder?
Não seria a primeira vez que o PS tem um líder que não tem um resultado eleitoral desejado e permanece como líder.
Se o resultado eleitoral for um mau resultado e uma derrota muito forte...
O Pedro Nuno Santos não precisa de fazer um tirocínio nas eleições.
Sabemos que Pedro Nuno defende um ritmo mais lento de redução da dívida pública, a recuperação total do tempo de serviço dos professores, uma privatização da TAP em que o Estado mantém a maioria do capital. Há um risco de Pedro Nuno como primeiro-ministro pôr em causa a política das contas certas?
A política das contas certas é um património colectivo do PS, não é do secretário-geral A ou do secretário-geral B. Foi muito importante para o país e também para o PS.
Mas Pedro Nuno tem uma visão diferente no uso do excedente orçamental. É contra o “fundo Medina”, por exemplo.
Acho que o “fundo Medina” é uma boa ideia. O PS vai olhar para estas eleições e vai construir um programa eleitoral que espero que seja construído de forma colectiva, aberta, com militantes do PS, provavelmente com personalidades que não são militantes do PS. A confiança em torno das contas certas é muito importante.
Pedro Nuno Santos deve aproveitar a ideia do “fundo Medina”?
Deve ser bem reflectido. O PS que vai eleições a 10 de Março, que tem este bom legado da governação de oito anos, deve inovar, melhorar, ter propostas novas. Devemos reflectir colectivamente e dizer que, a partir de um cenário macroeconómico, a partir do desenvolvimento de políticas públicas, seguramente algumas dessas questões podem ser ponderadas.
Esperam moderar as propostas de Pedro Nuno Santos?
Ele é o secretário-geral de 100% dos socialistas. E é essa construção colectiva dos 100% que temos de fazer. O PS não vai às postas às eleições, é o PS inteiro que vai a votos.
A ala Carneiro espera estar envolvida no desenho do programa macroeconómico a levar às eleições?
A ideia é não serem apenas pessoas, é ser programático. É muito útil que o partido se sinta todo representado no programa eleitoral que vai defender.
Em relação às listas de candidatos a deputados, aqueles 36% que Carneiro teve devem estar espelhados também nas listas?
Os 37% ou 38% que José Luís Carneiro teve são um resultado eleitoral interno. Vamos ter um congresso, espero que seja de unidade e de coesão, a seguir serão os órgãos do partido a tomar decisões. Começar a fulanizar excessivamente esta questão é um mau primeiro passo.
Teme que Pedro Nuno Santos, como primeiro-ministro, possa agir ou decidir mais por convicção do que por ponderação?
Essa questão remete para os perfis individuais de cada um.
Por isso mesmo.
Sem prejuízo dessas características pessoais que cada um de nós tem, há momentos em que, quando exercemos um cargo em concreto, esse cargo, pela responsabilidade que temos, determina muitas vezes a forma como tomamos decisões e até como nos relacionamos com os outros. Quando se chega a primeiro-ministro, a forma como se constroem soluções é diferente e o país não conhece essa construção de soluções num protagonista político que nunca foi primeiro-ministro. A construção de uma decisão no quadro do governo é bastante mais complexa do que a decisão de um homem. Essa construção molda também a forma como se tomam decisões.
António Costa ainda poderá, no futuro, ter condições para voltar a liderar o PS?
Acho que isso não lhe passa pela cabeça. Os ciclos começam e acabam. António Costa pode ser e será muito útil ao PS pela fortíssima ligação que tem à população.
Nas europeias?
Não diria que não.
Encara-o como possível cabeça de lista às europeias, sobretudo se a questão judicial, que ainda nem se sabe bem do que se trata, estiver resolvida?
António Costa é um activo do partido e tenho absoluta convicção de que qualquer secretário-geral gostaria de contar com o apoio dele e com o protagonismo dele. Para as europeias ou para outra circunstância.
Nas europeias seria um cabeça de lista que o PS podia aproveitar.
Com certeza. Mas também temos outros potenciais candidatos que são muito bons.
E em relação a si, está disponível para integrar as listas às legislativas, para continuar a ser a líder parlamentar?
Cada ciclo tem as suas equipas e não vou falar sobre as equipas do próximo ciclo. Isso não faz sentido.
Mas está disponível?
Estou disponível para o meu partido, sempre.
O Presidente da República recebe esta semana cumprimentos de boas festas do Governo e do Parlamento. O PS vai dizer o quê a Marcelo Rebelo de Sousa? Obrigado?
As instituições devem manter a cooperação institucional. É isso que o PS tem sempre defendido, mesmo quando discorda do Presidente da República. Aliás, tem discordado mais ultimamente. Isso não nos deve inibir de, na cordialidade institucional, não só desejar boas festas ao Presidente, como um bom 2024.
Temos colectivamente um ano de 2024 muito desafiante e o Presidente da República também, porque o resultado das eleições, neste momento, é incerto. A possibilidade se instalar no país um bloqueio institucional – não queria usar a expressão que ainda há pouco foi usada pelo primeiro-ministro de “instalação de uma certa bagunça” –, devemos fugir dessa ideia de bloqueio institucional e isso vai exigir ao Presidente da República muita cabeça fria e muito sentido de Estado.
A tendência pode ser para uma terceira dissolução.
É preciso votar no PS. É o melhor remédio. Essa circunstância de bloqueio é preocupante. Estamos a trocar a estabilidade política por um cenário de grande incerteza e será exigente para todos.