Harmonização: que vinho vai bem com cada prato de bacalhau?
Branco, rosé, tinto ou espumante, há muito por onde explorar a ligação entre os vinhos verdes e as várias formas culinárias do rei da mesa festiva. O sommelier Manuel Moreira dá uma ajuda.
No universo culinário, o bacalhau ostenta o título de “mil e uma receitas”, já a rica oferta de vinho verde não apenas aceita, mas abraça o desafio de enfrentar tal diversidade. A pluralidade dos vinhos da região é a refutação eloquente de qualquer generalização simplista. Aqui propomos uma aliança, que a cada dia estreita os laços de uma afinidade única.
Carpaccio de bacalhau
Carpaccio é uma das formas de apresentação de entradas mais populares no mundo. Criado em Itália, originalmente, trata-se de carne crua cortada em fatias muito finas. Por todo o lado, seja qual for o produto-base, peixe, legumes, frutas, o termo carpaccio alude ao corte fino em lascas ou fatias muito finas que se espalham geometricamente num prato. É uma preparação que, pela sua naturalidade, obriga a grande qualidade da matéria-prima. Não dá para esconder a falta de frescura ou a menor virtude do produto. É um prato de festa, de entrada de refeição, servido frio, que é sempre refrescante e ligeiro.
O carpaccio de bacalhau junta-se ao já enorme receituário deste. Seja cru ou cozido e arrefecido, o bacalhau é cortado fininho e sua guarnição pode seguir ao ritmo da imaginação. Ervas aromáticas, presunto, croûtons de pão, queijos, azeitonas, tomates cherry, azeite virgem extra, cítricos, pimentas são tudo possibilidades.
A temperatura, a delicadeza e as variadas texturas derivadas dos ingredientes acrescentados pedem vinhos de igual perfil. Leves, delicados, mas frescos, de jovialidade frutada e descontraídos. Os vinhos de grande amplitude e complexidade não devem ser desaproveitados aqui.
Pastéis de bacalhau e pataniscas
Chamam-lhes pastéis de bacalhau, no Sul do país, ou bolinhos de bacalhau, no Norte. Ambos se referem a uma massa feita de bacalhau desfiado, puré de batata, cebola, salsa e alho, modelada com duas colheres de sopa em elipse, a sua configuração mais habitual. É depois sujeita a uma fritura que aprisiona com a sua crosta o recheio de massa fofa.
Já as pataniscas de bacalhau, aparentadas do bolinho de bacalhau, com origem na Estremadura, têm uma forma mais achatada composta por bacalhau desfiado ou em lascas frito em polme de farinha de trigo e leite, podendo levar ovo e cebola.
Uma e outra partilham aquele efeito de contraste entre o estaladiço da crosta e o macio delicado do recheio. Além disso, as duas podem brilhar como protagonistas a solo, sendo perfeitos como petiscos ou como acompanhamento de uma refeição, ou até serem parte de um prato como no caso de pataniscas com arroz de tomate.
Na ligação com vinho, a fritura e a suavidade do recheio das duas receitas são os pontos a considerar. Se a fritura for bem feita, a crosta fica estaladiça e seca, não gordurosa. Só por si, essa crosta pede uma sensação estaladiça no vinho e a acidez é o elemento que a transmite. A macieza da massa e o sabor delicado pedem vinhos de corpo médio a ligeiro, frutados, mais sobre a simplicidade e menos estruturados. Aqui cabem vinhos brancos, tintos, rosés jovens e espumantes ligeiros e frutados. E no Minho abundam vinhos deste registo.
Bacalhau à Gomes de Sá
O portuense José Luís Gomes de Sá Júnior, um comerciante de bacalhau, é o criador do bacalhau à Gomes de Sá, que se tornou um dos pratos mais típicos da cidade do Porto, actualmente cozinhado por todo o país.
É um prato cheio de cor, sabores e texturas que combina bacalhau em pequenas lascas amaciadas em leite que é cozinhado com azeite, alho, cebola, acompanhado com batata, azeitonas pretas, salsa e ovos cozidos. A sua importância e valor gastronómico levou-o a ser finalista do concurso As 7 Maravilhas da Gastronomia Portuguesa.
Pode-se dizer que é um prato que não dificulta a decisão sobre que vinho escolher para o acompanhar. Vinhos de corpo leve e moderado são o ponto de partida. Fruta em detrimento da madeira. Se esta se encontrar omissa, melhor. Mas o efeito de gordura e envolvência, que o trabalho com madeira pode propiciar, são bem-vindas para ligar os vários substratos de texturas e sabores. Já os tostados e abaunilhados são dispensáveis. A acidez bem regulada, seja em brancos, tintos ou rosés, é indispensável. Novamente, os espumantes reúnem muitos dos atributos, acidez, leveza e gás carbónico, que farão que a harmonia tenha desfecho feliz.
Bacalhau à lagareiro
O “à lagareiro” é uma das formas mais populares de cozinhar o bacalhau. Apesar de popular, parece não haver consenso sobre a origem da receita. A metade norte do país é a tese mais irrefutável. Agora, se nasceu no Minho ou nas Beiras (Beira Baixa e Beira Alta), mantém-se incerto. Discutível, ainda, é a relação da receita com o cultivo e a produção de azeite, em particular com os lagares de azeite e os seus operadores, os “lagareiros”.
Certo e seguro é o azeite e o bacalhau serem os protagonistas da receita. O peixe – sim, bacalhau é peixe! – depois de assado e a “nadar” no azeite na companhia de alho e batata assada (esmurrada ou não) gera um prato intenso. Não somente pelo seu próprio sabor, mas pelo efeito do assado, que cria aqueles caramelizados e tostados tão peculiares e deliciosos, acrescido do jogo de texturas entre estaladiços e suculências.
O conjunto pede vinhos de uma certa opulência, de bom corpo, carregados de fruta e sabor. Vinhos que também deem boa luta à persistência que a iguaria tem. Vinhos brancos ricos e envolventes, com e sem barrica e frescura ácida, tintos de ombros largos, repletos de fruta madura e suculenta, de taninos domados, são o referencial. A solução espumante, algo inabitual, é sempre a “carta na manga” quando há hesitação sobre qual o vinho adequado.
Este artigo foi publicado na edição n.º 12 da revista Singular.
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