Do espumante com rabanadas ao vinhão à lareira: O sommelier Carlos Monteiro escolhe os vinhos para a época festiva

Carlos Monteiro, sommelier da Casa de Chá da Boa Nova, restaurante liderado por Rui Paula e detentor de duas estrelas Michelin, em Leça da Palmeira, escolhe vinhos para o pairing com a época festiva.

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Carlos Monteiro é o sommelier do restaurante Casa de Chá da Boa Nova (Leça da Palmeira), detentor de duas estrelas Michelin DR
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Carlos Monteiro é natural de Vila Real, estudou em Lamego e começou a trabalhar no DOC, o restaurante de Rui Paula em Armamar. O chef portuense, a par do próprio rio Douro, que está sempre perto, é o fio condutor destes quase 13 anos de percurso – percurso esse que inclui passagem pelo DOP (no Porto), onde começou “a ganhar o bichinho pelos vinhos”, antes de aterrar na equipa fundadora da Casa de Chá da Boa Nova, o restaurante/obra de arte com traço de Siza Vieira que ostenta duas estrelas Michelin.

A carta de vinhos desta sala com vistas de luxo sobre a rebentação do mar de Leça da Palmeira (Matosinhos) tem o dedo de Carlos Monteiro desde o primeiro dia, já lá vão nove anos. Uma carta feita sobretudo de grandes vinhos brancos e espumantes, em especial desde que os menus de degustação passaram a ser integralmente voltados para o mar (com a honrosa excepção da versão vegetariana, desenhada de raiz para proporcionar o mesmo prazer gastronómico a quem não consome proteína de origem animal).

A presença das 14 regiões portuguesas é um dos orgulhos assumidos do sommelier, que procura fazer de cada sequência de harmonização uma viagem pelo território vinícola nacional. “Num menu de 21 momentos, o pairing são 11 vinhos, todos de regiões diferentes”, explica. O propósito é “procurar mostrar as características, o perfil clássico, o terroir de cada região”. Os Vinhos Verdes, que lhe ocupam “duas páginas da lista”, estão representados por perto de 30 referências e, além da aptidão intrínseca que lhes é reconhecida para os pratos de mar, Carlos Monteiro sublinha a sua competência para a cozinha vegetariana de Rui Paula, em parte graças “ao menor grau alcoólico e à frescura”.

Variedade à parte, Carlos Monteiro nota ainda uma certa propensão nos clientes para as regiões mais clássicas, mas reconhece a importância de ajudá-los a rasgar horizontes. “Se o cliente não bebe outras regiões, possivelmente é porque também não as prova”, aponta. Por esse motivo, pode nem sempre revelar logo a origem de um vinho, de modo a deixar que seja este a revelar-se por si – e a ajudar a destruir ideias preconcebidas. Boa parte das vezes, esses mesmos clientes predispostos a não gostar desta ou daquela região “ficam extasiados, muda-lhes por completo o registo”. Missão cumprida, portanto.

Que vinho ofereceria a alguém que dissesse não gostar de Vinhos Verdes?

Ainda há aquele estigma do consumidor português por causa da acidez e do gás, temos um mercado internacional que aceita muito mais facilmente os Vinhos Verdes. Apesar de ser uma região clássica, conseguimos ter uma diversidade de brancos tão grande que as pessoas não têm noção. Para mim, um porta-estandarte para convencer quem não gosta (ou diz não gostar) são os vinhos da ex-Ideal Drinks – como o loureiro Eminência e o alvarinho Milagres. Utilizo-os muitas vezes para mostrar o que são os Vinhos Verdes a quem diz que não bebe Vinhos Verdes. Ficam extasiados, muda-lhes completamente o registo. São vinhos com mais de volume de boca, feitos com contacto pelicular, mais maceração, pelo que não são aquele loureiro ou alvarinho mais acutilante no palato.

Outro exemplo são os vinhos da Quinta de Santa Cristina. O Santa Cristina Reserva, também alvarinho, é lançado sempre com algum tempo de garrafa. Quem conhecer o perfil do alvarinho prova e sabe que é um alvarinho, mas não remete para os de Monção e Melgaço. É um alvarinho mais quente, mais rico.

Passando agora aos fritos de Natal, que vinhos lhes fazem boa companhia?

A fritura é uma camada de gordura para a boca. Quando falamos de sonhos, rabanadas, aposto sempre nos espumantes, principalmente se tiverem algum perfil evolutivo. Há dois de que gosto muito. O espumante 2006 da Quinta do Ameal, de dégorgement tardio, que tem bolha mais fina, perfil ligeiramente oxidativo e alguma tosta, e vai ligar bem com o pão da rabanada. Ou então o da Quinta de Sanjoanne, um brut natur de 2011 que também tem dégorgement tardio, que vai dar bolha fina, sempre com grande acidez, mas também tem algumas notas terciárias que ficam bem com os fritos e com a doçaria natalícia, até o próprio bolo-rei.

Podemos também pensar em vinhos doces. Um colheita tardia de que gosto muito é o Rascunho, da Quinta de Santiago. E o da Quinta do Ameal, que também fica muito bem com doçaria conventual. Se quisermos um pouco menos doçura, o Soalheiro Dócil, um alvarinho com 9% de álcool, que tem algum açúcar residual, ou o ADN, projecto que o Dirk [Niepoort] fez com o Anselmo [Mendes], que lançou agora um Loureiro dócil, também 9% de álcool e algum açúcar residual. Tem aquele balanço de acidez, frescura e doçura final encaixa bem com doces natalícios.

E para os fritos salgados, como pastéis de bacalhau, rissóis, etc.?

Voltaria aos espumantes. Como estamos a iniciar a refeição, espumantes mais frescos e jovens. O da Quinta de Santiago, 100% alvarinho – temos agora o 2020 no mercado, superfresco –, para preparar e refrescar o palato. Ou o Côto de Mamoelas Grande Reserva.

Por fim, um vinho de conforto para uma tarde de chuva à lareira?

Não é para toda a gente, mas, como sou transmontano, para uma tarde à lareira imagino uns enchidos na brasa, umas alheiras, castanhas assadas. Aí, pego num verde tinto clássico, daquele de malga. Fica muito bem à lareira, com fumeiro. Ainda agora estive a provar o do ADN. Ou então o Aphros Vinhão, é uma delícia. Bebemo-lo um bocadinho fresco, mas tem aquela parte quente, rica da fruta, tem aquele piquinho – isto falando de colheitas recentes, 2020, 2021, ainda cheios de força e de frescura.

Depoimento recolhido e editado por João Mestre

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Este artigo foi publicado na edição n.º 12 da revista Singular.

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