Humanos terão provocado extinção de 1430 espécies de aves nos últimos 130 mil anos

Estudo fez nova estimativa do impacto da colonização humana nas aves, principalmente nos arquipélagos em todo o mundo. Açores perdeu 34 espécies, 23 estarão por descobrir.

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Várias espécies de aves extinguiram-se nos Açores após a chegada dos portugueses PAULO RICCA

A colonização dos continentes da Terra pelos humanos está associada ao desaparecimento de muitas espécies. A maioria delas tão antigas que só foram descobertas a partir do registo fóssil. Mas os cientistas acreditam que há muitas espécies extintas que ainda não são conhecidas, impossibilitando avaliar o verdadeiro impacto da humanidade. A partir dessa premissa, uma equipa de cientistas estimou o número de espécies de aves extintas nos últimos 130.000 anos e calculou que houve 1430 que desapareceram, a grande maioria endémica de ilhas e arquipélagos. Daquelas, 788 espécies ainda não foram descobertas, adianta um estudo publicado nesta terça-feira na revista Nature Communications.

“O nosso estudo é o primeiro a fazer uma estimativa da verdadeira extensão das extinções de aves a nível global, incluindo a estimativa de extinções ainda não descobertas, de espécies perdidas que não deixaram vestígios”, explicou ao PÚBLICO Rob Cooke, primeiro autor do artigo e um ecologista que usa modelos matemáticos para compreender a evolução da biodiversidade, do Centro para a Ecologia e a Hidrologia do Reino Unido, em Oxfordshire, no Reino Unido.

Por comparação, até agora o número de espécies de aves extintas estimado era de apenas 640. Tendo em conta que o número de espécies de aves existentes hoje é de 11.000, isso significa que, nos últimos 130.000 anos, desapareceram uma em cada nove espécies desta classe de vertebrados. Ao todo, 90% das espécies perdidas viviam em ilhas ou em arquipélagos, de acordo com este estudo. Aquele vazio terá tido consequências nos ecossistemas que hoje conhecemos. “O mundo poderá não só ter perdido muitas aves fascinantes, mas também os seus papéis ecológicos, que provavelmente incluíam funções-chave, como a dispersão de sementes e a polinização. Isto terá tido efeitos negativos em cascata para os ecossistemas”, apontou o investigador num email.

Para chegar àquele número, a equipa usou modelos para obter uma estimativa do número de extinções, incluindo as espécies ainda não conhecidas, em cada arquipélago (no contexto deste artigo, além do arquipélago ser um conjunto de ilhas próximas, também se considerou que cada ilha isolada era um arquipélago). Estes modelos tinham como base o que ocorreu na Nova Zelândia, com a chegada do povo maori a partir da segunda metade do século XIII, que levou à extinção de várias espécies, incluindo os moas, aves terrestres que, tal como as avestruzes, deixaram de voar.

A Nova Zelândia é o “único território no mundo onde se acredita conhecer toda a fauna aviária antes dos humanos, com vestígios bem preservados de todas aves”, explicou o investigador. A partir do modelo construído com o que ocorreu na Nova Zelândia, a equipa fez uma avaliação dos fenómenos de extinção de aves em cada arquipélago tendo em conta as características geográficas, como a sua área e topografia, o momento em que foi colonizado por humanos, o isolamento face ao continente, a investigação científica feita, entre outros aspectos. “Quanto menores os estudos feitos na região, mais incompleto se espera que seja o registo fóssil e maior é o número estimado de extinções não descobertas”, resumiu o autor.

Por exemplo, nos Açores terão desaparecido 34 espécies, 11 delas foram confirmadas a partir de fósseis que se descobriram. Mas 23 espécies não terão sido ainda descobertas, de acordo com este estudo. Que aves eram estas é difícil saber. “Algumas destas espécies extintas poderão ser descobertas pela ciência no futuro, muitos fósseis ainda estão a ser descobertos. Mas muitas nunca serão descobertas, já que os seus ossos foram perdidos ou desintegrados”, explicou Rob Cooke.

De qualquer modo, a maioria das extinções está associada à chegada dos humanos. “Quando os humanos chegavam a um arquipélago isolado, eles levavam o rato-do-pacífico [no contexto da colonização dos arquipélagos do Pacífico], porcos domésticos, e traziam com eles uma transformação do habitat, o que levava a um declínio rápido e a uma eventual extinção de espécies de aves endémicas”, explicou o investigador, adiantando que as espécies endémicas das ilhas tinham muito menos hipótese de fugir do que os seus parentes do continente. “Os arquipélagos são pequenos ou isolados comparados com os continentes, por isso os impactos dos assentamentos humanos são muito maiores”, referiu.

Mais perto do colapso

A maioria das extinções ocorreu nos últimos 7000 anos. Ao todo, o artigo identificou três períodos de maiores taxas de extinções: o primeiro, entre 1541 a.C. e 438 d.C., associado à chegada de populações humanas às ilhas do ocidente do oceano Pacífico, as ilhas Mariana, Tonga e Fiji; o segundo e mais intenso período de extinções, entre 459 e 1742 d.C., cujo pico foi no início do século XIV, está relacionado com a chegada de humanos ao Havai, às ilhas Marquesas e à Nova Zelândia; e o terceiro período, iniciado em 1742 e abrangendo a actualidade, ligado à intensificação da actividade humana.

“Descobrimos o maior evento de extinção de vertebrados causado por humanos na história, durante o século XIV, com a estimativa de 570 espécies de aves perdidas depois de as primeiras pessoas chegarem às ilhas do Pacífico Leste, incluindo as ilhas do Havai e as Ilhas Cook”, assinalou o investigador. “Este valor é quase 100 vezes maior do que o rácio natural de extinções.”

Nos Açores, as 34 extinções estimadas pela equipa terão ocorrido nos 300 anos a seguir à chegada dos portugueses àquele arquipélago, na década de 1430. Mas a maioria das espécies pereceu logo nos primeiros cem anos.

“Tipicamente, as extinções ocorreram de uma forma rápida a seguir à chegada dos humanos, mas o rácio de extinções foi depois abrandando à medida que as espécies vulneráveis desapareceram logo e as espécies mais resistentes ao impacto humano permaneceram”, lê-se no artigo. Mas os ecossistemas não terão saído incólumes deste flagelo, observou Rob Cooke: “O nosso estudo sugere que podemos ter perdido muito mais peças da engrenagem do que nos apercebemos, e podemos estar mais perto da degradação e do colapso dos ecossistemas.”