Conselho de Natal: não vá ao campo colher musgo, azevinho e gilbardeira

Com a chegada do Natal, pode ser atractivo ir ao campo apanhar as plantas que costumam estar ligadas a esta época. Biólogos pedem que não se vá à natureza colher musgo, azevinho e gilbardeira.

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Desde 1989 que não é permitido o corte de azevinho em Portugal continental, sem que tenha de ser atribuída uma credenciação César Garcia
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Um presépio cheio de musgo acabadinho de apanhar. Uma mesa repleta de arranjos com azevinho. Ou a decoração na sala com as bagas vermelhas da gilbardeira. Todas estas imagens podem ser apetecíveis em tempos de Natal e, ainda mais, se foram acompanhadas de um passeio para colher esses organismos. Mas é preciso pôr um travão nessas ideias: biólogos aconselham a que não se vá ao campo apanhar plantas da natureza nesta altura do Natal. Como alternativa, dizem que se pode plantar searinhas, fazer trabalhos manuais ou colher folhas e ramos secos.

É a mensagem de César Garcia para este Natal. O botânico, que é coordenador do Jardim Botânico de Lisboa e do Jardim Botânico Tropical, ambos da Universidade de Lisboa, diz ao PÚBLICO: “Não devemos ir ao campo colher plantas da natureza nesta altura do Natal.” César Garcia refere-se tanto às plantas vasculares – como a gilbardeira e o azevinho – como às não vasculares – caso dos musgos. “A sua colheita pode colocar em causa a sua conservação futura.”

Se o musgo e a gilbardeira (ou falso azevinho) são plantas que necessitam de medidas de gestão na natureza, o azevinho tem mesmo protecção legal. O botânico realça que o grande problema da apanha destes organismos é a sua venda e colheita em grandes quantidades na natureza. “Não colha plantas no campo, seja a gilbardeira, azevinho ou musgo, porque muitas estão em zonas em que os habitats estão sensíveis”, diz em jeito de apelo.

O mesmo apelo é feito pelo biólogo Sergio Chozas. “Ir para o campo e apanhar [essas plantas] não é uma boa ideia”, afirma. “Se todos os lisboetas forem a Monsanto e cortarem um raminho de gilbardeira, deixa de haver essa planta em Monsanto.”

Mas que plantas são, afinal, estas? E porque são tão atractivas nesta época do ano?

Falso azevinho um pouco por todo o país

A gilbardeira é uma espécie autóctone de Portugal e está presente um pouco por todo o país. De seu nome científico Ruscus aculeatus, vive sobretudo em zonas frescas de matos ou florestas e com sombras.

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Pelo seu aspecto, a gilbardeira pode ser confundida com o azevinho Sergio Chozas

Pelo seu aspecto, pode ser confundida com o azevinho. A gilbardeira tem umas “bolinhas” (bagas) vermelhas – o fruto – e umas folhas, que não são exactamente folhas – são os cladódios (caules expandidos para aumentar a capacidade de fotossíntese). São estas as características que fazem com que seja designada “falso azevinho” e tenha começado a ser usada para decorações de Natal.

César Garcia conta que começou a ser colhida na época natalícia quando o azevinho escasseava e passou a ser usada para arranjos florais. “Como é tão parecido com o azevinho, as pessoas apanham-na”, acrescenta Sergio Chozas, investigador no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

O seu estatuto de conservação, de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês), é “pouco preocupante”. Mas, como começou a ser muito usada nesta altura, foram criadas medidas para a proteger, nomeadamente o Anexo V da Directiva Habitats.

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A gilbardeira está presente um pouco por todo o país César Garcia

A captura ou colheita na natureza e exploração destas espécies podem ser objecto de medidas de gestão. Portanto, esses organismos – incluindo a gilbardeira – não devem ser colhidos nos seus habitats naturais. “É uma lista de espécies que precisam que a sua conservação tenha medidas de gestão”, resume César Garcia. No fundo, esclarece, “pode-se colher, mas com muita atenção, e precisa de gestão das autoridades”.

“Se todos fôssemos para o campo e a apanhássemos, poderíamos pôr a gilbardeira em risco. O seu uso deve ser controlado”, alerta Sergio Chozas, membro da direcção da Sociedade Portuguesa de Botânica. O biólogo propõe alternativas à colheita da gilbardeira da natureza. Algumas delas podem ser os trabalhos manuais e desenhos. Para que se evite a apanha na natureza, propõe que se compre a planta em viveiros e que se tenha em casa, mas no exterior. Já César Garcia sugere que se apanhem ramos ou folhas secas, sobretudo os mais superficiais.

Azevinho com protecção legal

O “verdadeiro” azevinho tem o nome científico de Ilex aquifolium e pode ser encontrado em encostas sombrias, barrancos fechados e margens de linha de água. É uma planta nativa da Europa e do Noroeste de África, sendo em Portugal predominante no Norte do país, especialmente no Minho. Mais para sul pode ser encontrado na natureza nas serras de Sintra e de Monchique. Tal como a gilbardeira, o seu estatuto de conservação é “pouco preocupante”.

Há mais de 30 anos que não é permitido o corte e venda espontâneos de azevinho em Portugal continental, sem que tenha de ser atribuída uma credenciação, adianta César Garcia. “O azevinho tem protecção legal desde 1989. Não se pode colher”, esclarece. “Quem for apanhado com azevinho pelo ICNF [Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas] tem um problema grave, porque tem protecção legal.”

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O azevinho é uma planta nativa da Europa e Noroeste de África, sendo que em Portugal é predominante no Norte do país César Garcia

César Garcia explica ainda que quem o colhe pode estar a causar “interrupções” na reprodução, pois esta é uma espécie com machos e fêmeas e ao se colherem machos, de um lado, e fêmeas, do outro, pode-se interromper o seus “encontros”. Já nos jardins ou viveiros existem perigos de hibridização, em que espécies nativas podem reproduzir-se com outras.

Mais: o azevinho vive em habitats de excelência, como zonas de alta montanha ou carvalhais, onde a vegetação nativa está pouco alterada. “As populações naturais vivem em locais muito bons em termos ecológicos e as pessoas não devem ir para essas zonas colher plantas”, alerta o botânico.

A questão da colheita do azevinho está também ligada à decoração de Natal, devido aos seus frutos vermelhos brilhantes, o que cria um contraste com as folhas esverdeadas. Com ele podem ser feitas coroas, grinaldas e centros de mesa. As alternativas ao uso do azevinho são semelhantes às da gilbardeira: trabalhos manuais ou apanha de ramos e folhas secos. O azevinho pode ser comprado em viveiros, mas aqui pode existir o tal perigo da hibridização.

As mais de 300 espécies de musgo em Portugal

Em Portugal continental, há mais de 700 espécies de briófitos (musgos, hepáticas e antocerotas) e 30% delas estão ameaçadas. Só de musgos são entre 300 e 400 espécies.

Musgo da espécie Bryum argenteum César Garcia
Musgo da espécie Hypnum cupressiforme, que é muito usado no presépio César Garcia
Musgo da espécie Tortula muralis César Garcia
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Musgo da espécie Bryum argenteum César Garcia

Nesta altura do Natal, costuma ser muito usado em presépios, sobretudo a espécie Hypnum cupressiforme – e esta não está ameaçada. Mesmo assim, César Garcia pede cuidado, porque a sua colheita pode ter um grande impacto nos seus habitats naturais, pois estes organismos são fundamentais a combater a erosão, a fixar a água no solo e como nicho ecológico para várias espécies. É como arrancar “a pele da terra”, compara.

O botânico realça que o grande problema é a elevada colheita para venda em mercados ou praças municipais. “O problema não é uma família ir colher um bocadinho de musgo, o problema é a sua venda. Há empresas que tiram grandes quantidades para venda”, observa César Garcia, que faz investigação em briófitos, a superdivisão de plantas em que se incluem os musgos. Alerta ainda para a colheita de quem não conhece bem as plantas, pois essas pessoas podem apanhar quantias em excesso e isso ir causando impacto. Como alternativa à apanha de musgo, César Garcia sugere que se façam searinhas de trigo ou alpista em casa.