Keffiyeh: o lenço que representa a luta (e esperança) palestiniana

Tem surgido nas manifestações pela Palestina: um lenço axadrezado, usado na cabeça ou ao pescoço. Mas o que representa?

Foto
É um lenço axadrezado, usado na cabeça ou ao pescoço. Mas o que representa? REUTERS
Ouça este artigo
00:00
03:49

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Tem sido um elemento comum nas manifestações pela Palestina: um lenço preto e branco na cabeça ou à volta do pescoço. Chama-se keffiyeh, e é um símbolo da resistência palestiniana, quase uma bandeira não oficial, com uma longa história.

O keffiyeh tem raízes no Médio Oriente e era usado como uma forma de protecção do sol e da areia pelos beduínos que habitavam o deserto. Eram feitos de algodão, seda e lã fina, e podiam ter linhas brancas, pretas, verdes e vermelhas. Sabe-se que já eram usados pelo menos no século XIX, conta Wafa Ghnaim, curador do Museu das Pessoas Palestinianas, em Washington, ao Vox.

“O keffiyeh, também conhecido como hatta, era um acessório que os homens usavam na cabeça e que distinguia os beduínos das pessoas das cidades e aldeias”, explica. Era mais associado a plebeus, em contraponto com o fez, um chapéu vermelho, que era normalmente usado por palestinianos de classes mais altas.

Isto alterou-se em 1936, na Revolta Árabe, quando os palestinianos se insurgiram contra a ocupação britânica e o keffiyeh passou a fazer parte do uniforme dos grupos rebeldes, compostos essencialmente por homens mais pobres.

Por se ter tornado fácil para as tropas britânicas identificarem os rebeldes através dos lenços, os líderes instaram todos os homens palestinianos a usá-lo, para confundir os britânicos. Foi assim que se tornou um símbolo de resistência e de autodeterminação.

O padrão axadrezado tem várias interpretações simbólicas. Alguns assemelham-no a uma rede de pesca, a uma colmeia ou ainda a mãos dadas. As folhas podem representar as oliveiras, que são a principal cultura agrícola no território palestiniano.

Nos anos 60, voltou a surgir como um símbolo contra a ocupação israelita e passou a ser usado mais amplamente: por mulheres, por exemplo. Leila Khaled, que ficou conhecida por ser a primeira mulher a desviar um avião, em 1969, numa altura em que a Frente Popular de Libertação da Palestina começou a usar desvios de aviões como estratégia política.

“O nosso objectivo era libertar presos palestinianos, especialmente mulheres que estavam em prisões israelitas, e chamar a atenção internacional para a causa palestiniana. Mas tínhamos instruções muito claras para não magoar ninguém”, disse, em Fevereiro último, ao PÚBLICO.

Em 1967, depois da Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou a Faixa de Gaza e a Cisjordânia e anexou a zona leste de Jerusalém, e proibiu expressões que pudessem ser interpretadas como políticas — como hastear a bandeira palestiniana nos territórios ocupados. O keffiyeh, tal como a melancia, tornou-se então um símbolo não oficial de patriotismo.

O keffiyeh ganhou ainda mais proeminência quando Yasser Arafat, líder da Organização de Libertação da Palestina (OLP), o adoptou, tornando-se quase uma imagem de marca.

Foto
Yasser Arafat e Nelson Mandela REUTERS

Na verdade, foi três meses depois de um abraço sentido entre Arafat e Mandela, quando o último foi libertado da prisão, que o líder sul-africano usou um keffiyeh num encontro na Argélia. “A nossa liberdade está incompleta sem a liberdade dos palestinianos”, dizia o Nobel da Paz de 1993.

Agora, numa altura em que os números apontam para 19 mil mortos na Faixa de Gaza pelas forças israelitas, o keffiyeh voltou a assumir grande importância. Na Cisjordânia, só há uma fábrica que ainda produz estes lenços. É em Hebron e foi fundada em 1961 e Joudeh Hirbawi é o actual dono, filho do fundador.

Ao The National referiu que as máquinas funcionam dez horas por dia, para produzir, em média 15 ou 16 keffiyehs, devido ao complexo padrão. As franjas são acrescentadas manualmente. Desde 7 de Outubro, a procura tem vindo a aumentar, devido aos protestos que têm acontecido um pouco por todo o mundo, sendo os lenços usados pelos manifestantes. Não só como um símbolo de luta, mas também de esperança.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários