Uma jóia de rapaz
As urdiduras das moiras levaram o professor Espinosa a percorrer cerca de dois mil quilómetros para se encontrar com a sua morte, que coincidia na matéria e na forma com a matéria e a forma do Urso.
As urdiduras das moiras levaram o professor Espinosa a percorrer cerca de dois mil quilómetros para se encontrar com a sua morte, que coincidia na matéria e na forma com a matéria e a forma do Urso, perfeitamente encaixada, ocupando-lhe cada recanto do corpo e da alma, segurando também o canivete que servia para picar o chouriço. Para resolver aquele caso específico, não precisaria da sua gadanha. O professor foi pontual, chegou no dia e à hora marcada, coisa que nem sempre acontece em Portugal. Quando o Urso espetou o canivete na garganta do professor, a morte ia gritando vai vai vai, e foi, aconteceu tudo rapidamente, mas correspondendo em todos os pormenores à descrição que se encontrava e encontra no livro do destino. O professor julgava ir ao encontro da liberdade e de um futuro, mas tropeçou na morte e caiu no chão sujo de uma taberna, tendo sido um dos primeiros portugueses a não ver, depois da Revolução, concretizadas muitas das promessas de Abril. Não por sua vontade, mas por conta da morte, que o quis poupar a uma certa desilusão e à emergência, décadas depois, de tiranetes de pechisbeque, fantoches ao serviço dos mais reles interesses.
O contributo do PÚBLICO para a vida democrática e cívica do país reside na força da relação que estabelece com os seus leitores.Para continuar a ler este artigo assine o PÚBLICO.Ligue - nos através do 808 200 095 ou envie-nos um email para assinaturas.online@publico.pt.