Experiência portuguesa foi ao espaço no foguetão de Jeff Bezos

Foguetão New Shepard foi lançado do Texas às 16h43 (hora de Lisboa). A bordo foi uma experiência portuguesa que procura simular como as poeiras se juntam para formar planetas.

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Desta vez, o foguetão New Shepard, da empresa Blue Origin, de Jeff Bezos, não levava ninguém a bordo. No seu 24.º voo espacial, partiu esta terça-feira à tarde sem turistas espaciais da base de Corn Ranch (no Texas, Estados Unidos) apenas com 33 experiências a bordo – uma delas é portuguesa e procura compreender como se formam os corpos rochosos, como asteróides e planetas, no nosso sistema solar.

Foi a 20 de Julho de 2021 que o foguetão New Shepard levou pessoas, pela primeira vez, até ao início do espaço, a cerca de 100 quilómetros de altitude: o empresário Jeff Bezos (cuja empresa Blue Origin está em competição com a SpaceX, de Elon Musk) e outros três passageiros que o acompanhavam. Atingiam então a chamada “linha de Kármán”, que é utilizada para definir o limite entre a atmosfera terrestre e o espaço exterior. Desde então, o New Shepard fez vários outros voos com turistas espaciais – 31, no total –, que viajam até às franjas do espaço e logo regressam ao solo, como o empresário português Mário Ferreira, tudo, desde a descolagem à aterragem, em cerca de dez minutos.

Agora, o geofísico Rui Moura, actualmente na Universidade de Aveiro, coordena a equipa responsável pela experiência portuguesa que vai a bordo do New Shepard, numa cápsula montada no topo do foguetão. Desta vez, o voo não foi adiado, como aconteceu na segunda-feira, por o foguetão não ter passado nas verificações antes da contagem decrescente, como explicou Rui Moura. A partida ocorreu finalmente esta terça-feira pelas 16h43 (hora de Portugal continental).

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O investigador Rui Moura no rancho no Texas que serve de base espacial ao foguetão New Shepard, da empresa Blue Origin DR

Apoiada pelo programa MIT-Portugal, a experiência intitula-se Microgravity Fine Regolith Experiment (Mifire) e tem a participação da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, da Universidade de Aveiro e do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (Inesc Tec). Numa iniciativa do programa MIT-Portugal, os estudantes universitários portugueses foram desafiados a apresentar propostas de nano-experiências para um voo espacial de gravidade zero da Blue Origin. A experiência MiFiRE foi seleccionada, assegurando o MIT-Portugal que seria colocada no espaço pelo foguetão, explica Pedro Arezes, director deste programa, pagando para tal dez mil dólares (cerca de nove mil euros), tendo o conta o volume ocupado na cápsula espacial.

Um cubinho de basalto da Madeira

Como o nome sugere, a experiência remete para o rególito lunar, os grãos de poeiras que cobrem a superfície da Lua. A ideia é pôr poeiras que simulam as poeiras lunares (desenvolvidas pela NASA na década de 1990) a flutuar em microgravidade, o que é possível, durante quatro a cinco minutos, no voo do foguetão New Shepard. Juntamente com o solo lunar simulado seguem dois pequenos cubos, com apenas um centímetro de lado: um é de basalto madeirense; o outro é oriundo de um meteorito metálico de Campo del Cielo (na Argentina), que o investigador adquiriu e do qual sacrificou uma pequena amostra para a experiência. Tudo isto é filmado.

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A caixa da experiência portuguesa DR

“É uma experiência, com um sistema com electrónica própria desenvolvida no Inesc Tec, que vai filmar, com uma taxa de amostragem de 120 fotogramas por segundo, um pequeno punhado de rególito simulante lunar a flutuar em microgravidade”, explica Rui Moura, que também faz investigação no Laboratório de Robótica Aplicada e Sistemas Autónomos do Inesc Tec.

“O objectivo é tentar observar, ao pormenor, a dinâmica de aglutinação das diversas partículas em microgravidade. Isto está relacionado com as fases embrionárias da formação dos planetas”, esclarece ainda o geofísico, referindo-se aos blocos de construção de asteróides a planetas. “Os building-blocks, ou elementos dos corpos planetários, são por vezes conhecidos por planetésimos. Estes elementos iniciais vão-se juntando ao longo de milhões de anos para formarem elementos maiores, tipicamente asteróides, protoplanetas e, por fim, os planetas. Os chamados ‘agregados’, aglutinados de poeira das proto-estrelas, formam-se em pouco tempo – segundos, horas, dias – os chamados ‘aglutinados’”, acrescenta Rui Moura.

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O foguetão New Shepard à espera da partida esta terça-feira, no Texas, EUA Blue Origin

Por outras palavras, a experiência portuguesa a bordo do foguetão de Jeff Bezos procura estudar o início da formação planetária. “No fundo, queremos observar as fases iniciais de um planeta em que as forças gravitacionais não dominam, mas, em vez disso, intervêm as forças electrostáticas”, realça o geofísico, que foi aos Estados Unidos assistir ao voo ao voo.

“Os pequenos blocos de um centímetro foram introduzidos para verificar se as poeiras mais finas, desde a dimensão da areia até ao silte, têm preferência por uma superfície maior silicatada (ou seja, o basalto) ou metálica (ou seja, o meteorito metálico). Esses elementos maiores podem ter um papel aglutinante num sistema solar primitivo e queremos observar se isso existe ou não”, prossegue, na explicação, o investigador.

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A caixa com o material que simula o solo lunar no fundo DR

“Numa frase, poderíamos dizer que queremos observar a fase inicial da formação de um planeta, algo inicialmente teorizado por Viktor Safronov”, conclui Rui Moura, referindo-se ao cientista russo que, em 1969, avançou com a teoria da formação dos planetas a partir de um disco de gases e poeiras à volta do Sol.

O regresso do New Shepard após explosão

As poeiras que simulam o rególito lunar, conhecidas por JSC-1, foram desenvolvidas pela agência espacial norte-americana NASA a partir de materiais vulcânicos terrestres, para terem uma composição mineralógica e granulométrica (o tamanho e a forma dos grãos) o mais próxima possível do solo lunar nas zonas de mare, vastas planícies basálticas na superfície da Lua. “Obtive cerca de dois quilos de um colega da Força Aérea dos Estados Unidos, que trabalha em projectos do espaço, o tenente-coronel Michael Parkhill”, conta Rui Moura, que conheceu este militar norte-americano num curso de astronautas suborbitais em que foram colegas, em 2016, na Universidade Aeronáutica de Embry Riddle, na Florida, EUA.

Em Setembro de 2022, esta experiência portuguesa chegou a descolar a bordo do New Shepard, no 23.º voo do foguetão. No entanto, pouco depois da descolagem ocorreu uma anomalia: a cápsula onde seguiam as experiências foi ejectada, tendo aterrado em segurança no deserto do Texas com a ajuda de três pára-quedas, e o foguetão acabou por explodir.

Como exemplos de outras cargas científicas a bordo, os dois anfitriões na emissão em directo no canal de YouTube da Blue Origin, que começou pelas 16h20 desta terça-feira, mencionaram uma na área da física de fluidos, que vai procurar compreender como é que a água e o gás se movimentam juntos em microgravidade. Outra centra-se em células fotovoltaicas, a pensar na autonomia das missões espaciais. Há ainda 38 mil postais de estudantes a bordo, que depois da viagem acima da linha de Kármán terão um carimbo a dizer que voaram no espaço.

Desta vez, estava tudo de olhos postos na nova descolagem, que representava o regresso do foguetão aos voos depois da explosão do ano passado e que veio a ser a 13.ª missão do New Shepard a levar carga às portas do espaço.

“Para nós, foi o culminar de três anos à espera. Houve contratempos causados pelas restrições da covid e posteriormente o voo do ano passado teve aquele incidente”, comenta Rui Moura após o voo, recordando que, depois de a Blue Origin ter tido este ano autorização da parte das autoridades aéreas dos EUA para retomar os voos, este lançamento sofreu uns oito adiamentos. “Pessoalmente, e em nome do grupo de jovens investigadores do projecto Mifire, só posso dizer que estamos bastante felizes por termos finalmente conseguido lançar o nosso payload [carga] neste voo espacial suborbital”, assinala. “Gostaria de achar que esta experiência ajuda a abrir as portas para mais experiências científicas portuguesas a voar nestas plataformas de microgravidade suborbitais.”

Pelas 16h51, os propulsores do foguetão que tinham levado a cápsula ao espaço, onde costumam ir os passageiros e desta vez seguiam as experiências, aterraram verticalmente na sua base espacial. Minutos depois, pelas 16h54, numa cronometria sincronizada ao ínfimo pormenor desde a descolagem, a cápsula com as experiências e os milhares de postais surgia nos céus, suspensa de três enormes pára-quedas azuis e cor de laranja. Lentamente, foi descendo, até pousar no deserto texano e levantar uma nuvem de poeiras. Tudo em terra, em segurança, e agora é tempo de ir analisar os dados das experiências.

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