Aumento da importação de óleo alimentar usado para biocombustíveis incentiva fraude

O uso de óleo alimentar usado mais que duplicou entre 2015 e 2022 na UE e Portugal é o quinto maior importador. Há o risco de óleos virgens como o de palma serem rotulados como “usados”, alerta Zero.

Foto
Trabalhar recolhe fruto de óleo de palma na Malásia Samsul Said/REUTERS

A importação de óleo alimentar usado para produção de biocombustíveis está a aumentar na União Europeia e Portugal é o quinto maior importador, segundo um relatório da Federação Europeia de Transportes e Ambiente, da qual a associação ambientalista Zero faz parte, que alerta para o risco acrescido de fraudes no processo devido ao aumento da procura.

Com base no relatório Biofuels: from unsustainable crops to dubious waste, da Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E), que junta organizações não-governamentais destas áreas, a Zero salienta que 80% do óleo alimentar usado para produzir biocombustíveis na Europa é importado, sobretudo da Ásia.

Da análise realizada pela Zero aos dados oficiais publicados pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), o mercado nacional de recolha de óleos alimentares usados só garante 10% das necessidades da indústria de biocombustíveis. O total da procura nacional é satisfeito com importações de mais de 40 países, entre os quais constam Espanha, Malásia, Arábia Saudita e a distante China. Segundo o relatório do T&E, Portugal é o quinto importador de óleos alimentares usados (OAU) para produção de biocombustíveis, dependendo em 70% da China.

Ao nível europeu, o consumo de óleo alimentar usado mais que duplicou entre 2015 e 2022. A grande maioria (80%) é importada da Ásia, e mais de metade (60%) vem da China.

Além disso, nos últimos anos, tem havido em Portugal uma forte aposta também na importação de biodiesel. O crescimento entre 2020 e 2021 foi de 5508 m3 para 133.158 m3, com um ligeiro decréscimo em 2022, para os 116.637 m3.

Um factor para o aumento da procura é o facto de as companhias aéreas usarem cada vez mais biocombustíveis, apresentando-os como uma solução para voos com energia mais limpa, destaca a organização ambientalista. Isto põe uma pressão acrescida na produção de biocombustíveis: "Com a indústria global de aviação a pressionar para que o OAU seja um ingrediente chave no combustível sustentável para a aviação, e com companhias aéreas a lançarem voos com 100% combustível sustentável, a procura tenderá a aumentar, exigindo a importação de volumes crescentes", diz a associação ambientalista.

Porta de entrada para matérias-primas insustentáveis

Esta elevada procura potencia o risco de fraude: "Óleos virgens como o de palma podem ser rotulados como 'usados' para tirar partido do valor inflacionado dos combustíveis supostamente verdes", alerta a Zero. "Vários países, incluindo a Alemanha e a Irlanda, estão a lançar as suas próprias investigações oficiais sobre os riscos de fraude. A Comissão Europeia também prometeu investigar o biodiesel indonésio alegadamente fraudulento que passa pela China e pelo Reino Unido para contornar impostos."

É por isso fundamental maior transparência no mercado de matérias-primas para a produção de biocombustíveis de forma a evitar que o óleo alimentar usado se torne uma porta de entrada para matérias insustentáveis como, por exemplo, o óleo de palma que impulsiona a desflorestação. Ou eventuais fraudes.

Grande parte do biodiesel é produzida com recurso a efluentes de palma e outros resíduos da indústria do óleo de palma, como cachos de palma vazios. Em 2022, e em comparação com o ano anterior, diminuiu em quase 30% a utilização do biodiesel a partir de óleo de palma na União Europeia, porque vários países deixaram de o usar, salienta a Zero. “Houve na Europa uma significativa adesão aos derivados do óleo de palma, como os Palm Oil Mill Effluents (POME) e o Palm Fatty Acid Distillate (PFAD)”, diz a organização ambientalista, em comunicado.

Só que se alguns países consideram estes derivados como “resíduos”, os PFAD são na verdade “subprodutos do processo de refinação do óleo de palma, e como tal, estão associados a impactos ambientais significativos e a alterações indirectas no uso do solo, tal como acontece com o óleo de palma convencional”, salienta a Zero. E, até 2030, a UE deverá deixar de usar óleo de palma para produzir biocombustíveis.

A sustentabilidade e credibilidade no sector dos biocombustíveis a nível nacional e europeu tem de ser garantida, para que este possa ter um verdadeiro contributo para a descarbonização da sociedade, destaca a Zero. É, por isso, urgente eliminar os biocombustíveis promotores de desflorestação, como palma e soja, e abandonar a utilização de todos os biocombustíveis à base de culturas alimentares até 2030. E garantir que matérias-primas insustentáveis como o óleo de palma não são reintroduzidas através de métodos indirectos.