Prémios Mesa Marcada: como são escolhidos os chefs e restaurantes do ano?
A cerimónia dos prémios, que celebram 15 anos, é a 22 de Janeiro no Estoril. Esta segunda foi anunciado o produtor do ano: Herdade do Freixo do Meio. Rui Paula receberá o Prémio Carreira.
Passaram-se 15 anos desde que “de uma forma completamente ingénua e amadora” nasceram os Prémios Mesa Marcada. A expressão é de Miguel Pires que, juntamente com Duarte Calvão, é o criador do site de gastronomia Mesa Marcada e dos prémios, que serão anunciados numa cerimónia a 22 de Janeiro no Centro de Congressos do Estoril.
Hoje, antecipando um dos prémios especiais, ficámos a conhecer o Produtor do Ano: a Herdade do Freixo do Meio, no Alentejo, projecto que tem como proprietário e mentor Alfredo Cunhal Sendim, pioneiro na agricultura biológica, primeiro, e, mais recentemente, na agricultura regenerativa. Na semana passada tinha sido anunciado o Prémio Especial Cutipol Carreira, atribuído ao chef Rui Paula, da Casa de Chá da Boa Nova (Leça da Palmeira) e do DOP (Douro) e DOC (Porto).
Voltando 15 anos atrás, a ideia dos Prémios Mesa Marcada era muito simples. Com o The World’s 50 Best Restaurants a ganhar cada vez mais importância a nível internacional, Miguel e Duarte pensaram: “Vamos fazer um top de restaurantes e chefs portugueses”. Convidaram 60 pessoas do mundo da gastronomia a votar e, evitando um nome que já existia, optaram por chamar ao top 10 restaurantes e ao top 10 chefs, “os preferidos” do ano. Hoje, 15 anos depois, têm 280 votantes e há já 17 prémios diferentes que vão da Mesa Diária, para restaurantes mais acessíveis, ao prémio de sustentabilidade – e que este ano ganharam mais dois, o Prémio Especial Bar do Ano e Bar de Restaurante do Ano.
É precisamente este sistema de votação baseado nas opiniões dos quase 300 votantes que, dizem ambos, distingue estes prémios de outros. “O que existe normalmente são prémios atribuídos por revistas ou guias a partir de escolhas internas, de uma redacção ou um comité”, explica Miguel Pires. “Os prémios Mesa Marcada distinguem-se por serem votados por uma comunidade.”
“No início”, recorda Duarte Calvão, “era muito difícil explicar que estes não eram os prémios do Miguel e do Duarte. O nosso voto vale tanto como o de qualquer outra pessoa que integre o painel. Somos dois entre 280, não temos qualquer influência sobre o resultado da votação. E, se calhar, às vezes até nos dava jeito ter havido uma novidade, não ter o mesmo chef a ganhar vários anos seguidos como aconteceu com o João Rodrigues.”
E quem são estas 280 pessoas que votam? São, na maioria, chefs e pessoas com ligação ao mundo da restauração e hospitalidade, e ainda jornalistas e comunicadores ligados à gastronomia. “Há uma preocupação em, ao longo do ano, acompanhar o que está a acontecer, identificar novos chefs e convidá-los a votar”, explica Miguel. “Há uma comunidade gastronómica que não é formal, mas existe, e queremo-la connosco. Se inicialmente conhecíamos toda a gente, hoje não conhecemos a maior parte das pessoas. Mas é isso que dá maior diversidade e uma credibilidade que conquistámos ao longo do tempo.”
Se os Prémios Mesa Marcada começaram por ser muito ligados ao fine dining, ao longo dos anos surgiram algumas mudanças. “No site Mesa Marcada sempre estivemos mais direccionados para uma cozinha criativa, mais moderna”, contextualiza Duarte. “E temos a noção de que grande parte das pessoas que nos lêem interessa-se por esse tipo de cozinha. Mas isto não é colocar esta cozinha contra a tradicional. Gosto muito de cozinha tradicional, mas profissionalmente dei mais atenção à outra.” No entanto, sublinha, “os jurados têm total liberdade para votar em quem quiserem, qualquer voto é aceitável”.
Essa mensagem foi reforçada ao longo dos últimos anos. “Pedimos para terem atenção à diversidade, quer geográfica, quer de tipologia de restaurantes, quer de género, mas dando a mesma liberdade de cada um votar como entendesse, sem quotas ou algo do género. O recado passou e sentiu-se que as pessoas ficaram mais libertas. Hoje, mesmo que a lista reflicta mais os restaurantes fine dining, tem sempre um ou dois outsiders e no top 20, uns cinco ou seis mais acessíveis. Passámos também a ter mais mulheres com algum destaque, se bem que não se veja aparecer muitas novas. Fazemos tudo isto sem forçar demasiado, porque se não corresponder à realidade, acaba por ser falso”, explica Miguel,
Ao fim de alguns anos marcados pelo domínio do fine dining no top, decidiram criar o Prémio Mesa Diária, e outros, que foram garantindo que, a cada ano, existem novidades: Prémio Carreira, Produtor, Loja Gastronómica, Evento, Destaque, Revelação, Restaurante Novo, Restaurante Clássico, Chefe de Pastelaria, Escanção, Serviço de Sala, Empresário de Restauração e o prémio Sustentabilidade, que se divide em ambiente urbano e ambiente rural, porque os desafios são diferentes.
Este é um prémio com características particulares e ao qual, dizem os organizadores, querem dar ainda mais destaque no futuro. “Não podia ser por votação como os outros, mas nós também não nos sentíamos capacitados para avaliar a sustentabilidade de um restaurante”, diz Miguel.
A solução surgiu quando a Studioneves, empresa de cerâmica de um casal brasileiro muito interessado nas questões de sustentabilidade, se propôs patrocinar o prémio e apresentou uma consultora, a Grab a Doughnut, que tem experiência neste tipo de avaliações (que tocam desde a parte ambiental até à forma como são tratados os funcionários) e desenvolveu uma metodologia adaptada ao prémio. E, acrescenta Duarte, mesmo quem não sai vencedor, tem, desde que apresente uma candidatura, acesso a “uma lista de regras e procedimentos muito útil para quem quer apostar nesta área”.
Distintivo também dos Prémios Mesa Marcada, acreditam os dois fundadores, é a cerimónia em que estes são anunciados, e que este ano dá um passo importante, realizando-se no Centro de Congressos do Estoril, na presença de perto de 500 convidados. “É um momento de convívio muito valorizado por esta comunidade gastronómica”, nota Duarte.
A par do aumento do número de prémios e de votantes, o que mudou no panorama gastronómico português nos últimos 15 anos? Para Duarte, um aspecto importante é “a afirmação da cozinha criativa”. Nos últimos anos, “o aumento do turismo e do número de residentes estrangeiros foi fundamental para que esta restauração passasse a ter um mercado mais alargado e pudesse triunfar”.
Foi uma mudança progressiva, na opinião de Miguel, e que se prende também muito com o facto de, ao terminarem as escolas de hotelaria, muitos aspirantes a chefs fazerem uma passagem pelo estrangeiro, de onde vêm com uma visão muito mais alargada do que se passa no mundo.
O foco, que a determinada altura era muito marcado, na procura de uma identidade da cozinha portuguesa, “dilui-se”, diz Miguel. “Não me parece que se tenha perdido essa identidade, mas chega um momento em que as formas de a exprimir são diferentes. Sempre fomos um país aberto ao mundo e é natural que as influências de fora apareçam cada vez mais.”
Duarte, que começou a sua carreira como jornalista gastronómico no final dos anos 90, recorda que nessa altura “a grande discussão era tradição versus inovação, e a inovação era vista como um estrangeirismo, alguma coisa que vinha pôr em causa a tal identidade da cozinha portuguesa”. Hoje já não é assim e “há cada vez mais gente a perceber que não se trata de pôr uma cozinha contra a outra. Foi-se percebendo que há lugar para todos. E a cozinha tradicional portuguesa não corre o menor risco. A nossa identidade não está em risco.”