Enxaqueca: os mistérios do cérebro além da dor

Investigamos o cérebro com enxaqueca através de imagem por ressonância magnética para encontrar padrões na imagem associados a esta doença, que é muito mais do que uma simples dor de cabeça.

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Exposição sobre o cérebro em 2019 na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa daniel rocha
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A enxaqueca afeta 15% da população mundial, principalmente mulheres, e tem grande impacto na qualidade de vida dos que dela sofrem. Além da dor de cabeça, envolve outros sintomas debilitantes como náuseas, sensibilidade à luz ou aura. Os episódios de enxaqueca são recorrentes e os diversos sintomas manifestam-se ao longo do chamado “ciclo da enxaqueca”.

Atualmente não existem métodos eficazes de tratamento desta patologia, dado que ainda existe muito desconhecimento em relação a ela. Imagine, por um momento, o dia-a-dia das pessoas que sofrem desta patologia: por exemplo, estar no trabalho com uma grande intolerância à luz, ou sofrer de uma dor de cabeça durante uma festa de aniversário de amigos.

Para encontrar respostas seria fascinante ter a capacidade de observar o funcionamento cerebral destes doentes durante cada fase desta tormenta neurológica. Isto é possível com recurso a técnicas de neuro-imagem como a ressonância magnética, que permite estudar a arquitetura, morfologia e funcionamento do cérebro.

O projeto MIG_N2Treat teve como objetivo adquirir diversos tipos de imagem de ressonância magnética durante as quatro fases principais do ciclo da enxaqueca: interictal (período sem sintomas), pré-ictal (período até 48 horas antes da dor de cabeça), ictal (dor de cabeça) e pós-ictal (até 24 horas após o fim da dor de cabeça).

Na classificação actual, a fase interictal, com duração muito variável, é aquela em que não ocorre dor de cabeça nem outros sintomas associados às crises de enxaqueca. Na pré-ictal, as pessoas começam a sentir alterações, como irritabilidade, sonolência e compulsão alimentar. Na ictal, ocorrem dor de cabeça, fotossensibilidade, náuseas e vómitos como sintomas principais. Por fim, na fase pós-ictal, embora os sintomas principais já tenham terminado, ainda se manifestam alguns sintomas, como fadiga e fraqueza.

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A investigadora Ana Fouto, que se dedica ao estudo da enxaqueca DR

Para isso, recrutámos um grupo de mulheres com enxaqueca associada à menstruação e um grupo de mulheres saudáveis nas respetivas fases do ciclo menstrual.

A análise destas imagens irá aproxima-nos da compreensão dos mecanismos por detrás dos episódios de enxaqueca e assim desenvolver novos métodos terapêuticos para enfrentar este problema que desafia a medicina há muito tempo. Estes dados irão permitir responder, por exemplo, a questões como quais as áreas do cérebro envolvidas no processamento emocional da dor durante uma enxaqueca, ou se os doentes com enxaqueca têm capacidades cognitivas alteradas durante os episódios de dor.

Enxaqueca e “linhas do metro” cerebrais

O meu projeto de doutoramento focou-se especificamente na análise da integridade das fibras de substância branca do cérebro das doentes quando comparadas com os controlos saudáveis. Por analogia, pense nas fibras de substância branca como se fossem “as linhas do metro”, é nestas linhas que a informação é transportada para os centros de interpretação (neste caso, por analogia serão “as estações de metro”). Se por alguma razão “há danos nas linhas” (fibras), o transporte de informação ficará comprometido.

Os resultados já obtidos demonstram um padrão muito interessante de alterações em algumas fibras responsáveis. Observámos que, quando as doentes não manifestam sintomas, a integridade destas fibras cerebrais encontra-se alterada. No entanto, no período imediatamente antes da crise de enxaqueca os parâmetros de integridade demonstram valores normais, o que pode ser indicativo de que as alterações patológicas podem recuperar ao longo do ciclo da enxaqueca. É como se a crise de enxaqueca fosse o período de restabelecimento das alterações neurológicas.

No futuro, a informação extraída sobre a integridade das fibras poderá ser integrada em modelos de inteligência artificial juntamente com informação de imagens funcionais para permitir melhores métodos de diagnóstico e tratamento.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Estudante de doutoramento do Instituto de Sistemas e Robótica do Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa

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