Venezuela e Guiana concordam em não usar a força por causa de Essequibo
Os líderes dos dois países que disputam a região rica em petróleo reuniram-se nas Caraíbas. A tensão diminuiu, mas a controvérsia mantém-se.
A pequena ilha de São Vicente, a principal do arquipélago de São Vicente e Granadinas, nas Caraíbas, recebeu na quinta-feira o encontro entre os líderes da Venezuela e da Guiana, em que ambos concordaram em não usar a força ou ameaças para fazerem valer as suas reivindicações sobre a região de Essequibo, no centro da discórdia entre os dois países sul-americanos.
Depois de dias em que a tensão em torno da disputa territorial sobre Essequibo subiu de forma acentuada, o encontro entre os Presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, parece ter proporcionado uma oportunidade para o apaziguamento.
Numa declaração conjunta de três páginas, os dois chefes de Estado acordaram em “não ameaçar ou usar a força um contra o outro em quaisquer circunstâncias” e manifestaram interesse em prosseguir com novas rondas de negociações.
A disputa em torno de Essequibo – uma região com uma área quase duas vezes superior à de Portugal – subiu de intensidade depois do referendo organizado pelo regime venezuelano no início do mês em que era posta em causa a soberania da Guiana sobre o território. Há mais de dois séculos que Essequibo é reivindicado pelos dois países, mas a descoberta de grandes reservas de petróleo nos últimos anos fez aumentar a parada.
“Venho com um mandato do povo da Venezuela, com uma palavra de diálogo, mas para defender os direitos do nosso povo”, afirmou Maduro à chegada ao encontro. Apesar do acordo alcançado para não recorrer à força ou a meios agressivos, a natureza da disputa territorial mantém-se.
O caso arrasta-se há décadas e a sua definição está longe de ser óbvia. Um tribunal arbitral sediado em Paris em 1899 determinou que Essequibo pertencia à Guiana Britânica, embora a Venezuela já nessa altura reivindicasse a sua posse. Só em 1966 é que as duas partes chegaram a um acordo em Genebra para resolver a questão com mediação das Nações Unidas, mas pouco tempo depois a Guiana declarou a independência da coroa britânica e o processo ficou paralisado.
O acordo de Genebra determinava que se deviam esgotar todos os recursos para dirimir o caso na ONU e em 2018 o secretário-geral, António Guterres, encaminhou-o para o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), que está desde então a analisar a contenda.
A Venezuela, no entanto, não reconhece a competência do TIJ e decidiu avançar de forma unilateral através da convocatória do referendo. Os resultados deram força ao Governo de Maduro para adoptar várias disposições legislativas para a integração de Essequibo no território venezuelano e o Presidente chegou a mostrar um mapa em que a Venezuela já incluía a região.
Com a tensão ao máximo, chegou-se a temer que a situação pudesse degenerar num conflito militar entre os dois países. O Brasil, que faz fronteira com os dois países e cuja travessia seria essencial caso a Venezuela pretendesse invadir a Guiana, reforçou a presença militar perto da fronteira e pediu a abertura de um processo diplomático.
A Guiana pediu apoio aos Estados Unidos, de forma a prevenir qualquer ameaça da Venezuela. “A Guiana não é o agressor, a Guiana não procura guerra, mas a Guiana reserva-se o direito de trabalhar com todos os nossos parceiros para assegurar a defesa do nosso país”, afirmou Ali, durante o encontro com Maduro, que aproveitou para, também ele, mostrar um mapa do país com Essequibo dentro das suas fronteiras.
Apesar de evitado, por ora, um confronto mais acalorado, os dois países mantêm as divergências de fundo. Em São Vicente, chegou-se a acordo para a criação de uma comissão conjunta entre diplomatas dos dois países que vão negociar uma solução e, daqui a três meses, os dois líderes voltam a sentar-se à mesa, no Brasil.