Banco de Portugal desmente SIBS e diz que não exigiu cartões para pagamentos digitais

Os cartões associados às contas também podem ser digitais. Há uma petição pública contra a medida.

Foto
Cartões de débito e de crédito têm custos anuais Miguel Manso
Ouça este artigo
00:00
06:06

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

O Banco de Portugal (BdP) rejeita qualquer responsabilidade na exigência que os bancos estão a comunicar aos clientes de que os pagamentos digitais de serviços essenciais, os carregamentos de telemóveis ou pagamentos à Segurança Social só vão poder ser feitos a partir de contas bancárias que tenham associado um cartão de débito ou de crédito.

Esta alteração, que também se aplica a operações realizadas através de aplicações bancárias para telemóveis, foi comunicada aos bancos pela SIBS, empresa prestadora de serviços de pagamento e gestora da rede Multibanco, alegando esta entidade estar a cumprir "uma determinação específica" do Banco de Portugal.

“A exigência de detenção de um cartão para a realização de operações de pagamentos de serviços, pagamentos ao Estado e carregamentos de telemóveis no homebanking das instituições não resulta de qualquer imposição directa do Banco de Portugal, nem da aplicação de regulamentação europeia ou nacional”, refere o supervisor bancário em comunicado, onde também acrescenta que "a SIBS FPS e os prestadores de serviços de pagamento tomaram a decisão, que é da sua exclusiva responsabilidade, de passar a exigir a detenção de um cartão para continuar a realizar essas operações no homebanking".

Momentos antes, a SIBS assegurava, em resposta ao PÚBLICO, que as operações de pagamento “estão a ser actualizadas em conformidade com [a] evolução da regulamentação europeia, e em cumprimento de determinação específica do Banco de Portugal em 2022 à SIBS FPS”.

Esclarece a instituição liderada por Mário Centeno que “enquanto autoridade competente nacional para a fiscalização do cumprimento dos deveres estabelecidos no Regulamento (UE) 2015/751 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões (que limita as taxas a cobrar), o Banco de Portugal emitiu uma Determinação Específica dirigida à SIBS FPS, para que esta entidade tornasse as operações de pagamento disponibilizadas na rede Multibanco, incluindo as operações de pagamentos de serviços, pagamentos ao Estado e aquelas efectuadas na app MB Way, conformes com esse enquadramento regulamentar”.

Contudo, acrescenta o BdP, “a referida Determinação Específica não foi prescritiva quanto à forma como a SIBS FPS deveria conformar as operações de pagamento disponibilizadas na rede Multibanco com a legislação aplicável, deixando ao critério daquela entidade a melhor forma de o fazer”.

E vai mais longe: “Acresce que, de entre os requisitos cujo incumprimento importava corrigir, não se incluía a obrigatoriedade de detenção de um cartão na realização de operações de pagamentos de serviços, pagamentos ao Estado e carregamentos de telemóveis no homebanking das instituições”, lê-se no comunicado.

O supervisor deixa ainda uma crítica directa aos custos de alguns serviços, ao reiterar que “a estratégia por si preconizada [Banco de Portugal] para os pagamentos de retalho em Portugal, e em linha com as Estratégias da Comissão Europeia e do Eurosistema, assenta na adopção mais generalizada das transferências imediatas, as quais, contribuem para uma maior eficiência económica e social para os utilizadores de serviços de pagamentos: consumidores, comerciantes e Administração Pública”.

Apesar da demarcação que faz relativamente à responsabilidade da iniciativa, o BdP nada refere sobre a legitimidade da decisão da SIBS, sendo necessário aguardar por uma resposta da empresa prestadora de serviços bancários, detida pelos maiores bancos a operar no mercado, para se perceber se a medida avança nos termos em que está definida.

A alteração introduzida pela SIBS, avançada esta sexta-feira pelo Jornal de Negócios e pelo Jornal Económico, impede empresas e particulares de fazerem pagamentos digitais a partir de contas que não tenham associados cartões de débito e de crédito, físicos ou digitais, como podem ser o caso de uma conta secundária ou conjunta, contas de imigrantes, mas também contas de empresas, de condomínio, de herança indivisa, ou outras.

Está em causa um conjunto de operações, como o pagamento de despesas de água e luz, pagamento a trabalhadores do serviço doméstico, trabalhadores independentes, ou o seguro social voluntário, a partir de contas sem esse tipo de cartões (com custos associados, que podem ascender a várias dezenas de euros).

Entretanto, e tendo em conta o custo da subscrição de cartões de débito e de crédito, há já uma petição online a pedir a suspensão da medida.

Como a SIBS responsabiliza o regulador

Ao PÚBLICO, a instituição prestadora de serviços de pagamento esclareceu, por escrito, que as alterações em curso estão “em conformidade com [a] evolução da regulamentação europeia e em cumprimento de Determinação Específica do Banco de Portugal em 2022 à SIBS FPS”.

“As operações Multibanco como o pagamento de serviços, pagamentos ao Estado ou carregamentos de telemóveis, permitem o pagamento simples, seguro e cómodo em Caixas Automáticas Multibanco ou em homebanking, entre outros canais. Estas operações, disponíveis há muitos anos em Portugal, estão a ser actualizadas em conformidade com evolução da regulamentação europeia, e em cumprimento de determinação específica do Banco de Portugal em 2022 à SIBS FPS”, refere a empresa.

Acrescenta ainda que aquelas operações “passam a partir de 1 de Janeiro de 2024 a ser associadas a um cartão”, e que “os prestadores de serviços de pagamento / instituições financeiras estão actualmente a comunicar aos seus clientes a evolução das condições de serviço aplicáveis ao seu caso”. E ainda que “nalgumas situações muito pontuais poderá ser necessária a associação de um novo cartão, real ou virtual, dependendo da oferta do prestador de serviços de pagamento / instituição financeira”.

“Os clientes poderão continuar a fazer os seus pagamentos do dia a dia com a mesma conveniência e comodidade de sempre após esta evolução, que na generalidade dos casos não terá impactos além da actualização das condições de serviço”, refere ainda a instituição em resposta ao PÚBLICO

Pelo menos um banco, o Bankinter, a alteração já entrou em vigor, quando a SIBS estabelece que a medida entrará em vigor partir de 1 de Janeiro de 2024.

Na mensagem enviada pelo Bankinter é referido que “se [o cliente] ainda não é titular de um cartão de crédito ou débito e pretende realizar ou manter, via Bankinter particulares/homebanking ou app Bankinter, os seus pagamentos ou agendamentos de serviços das tipologias de serviços e naturezas abrangidas, poderá antecipadamente solicitar o seu cartão de débito via Bankinter particulares/homebanking (…) e ter acesso ao cartão digital no seu telemóvel. Caso prefira um cartão de crédito, poderá contactar o seu gestor”.

Notícia actualizada com respostas da SIBS e com o esclarecimento do Banco de Portugal

Sugerir correcção
Ler 21 comentários