Pontos de viragem positivos podem salvar a Terra das alterações climáticas

Cientistas defendem que políticas que incentivem descarbonização, como o uso de carros eléctricos, podem permitir reverter efeitos das alterações climáticas que se desenvolvem de forma mais lenta.

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O crescimento na geração de electricidade fotovoltaica é um dos pontos de viragem positivos actuais José Manuel Ribeiro/REUTERS
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Quando a temperatura média da Terra aumentar 1,5 graus, a destruição dos corais já não tem volta atrás: perdemo-los para sempre. Mas se os cientistas se concentram cada vez mais em estudar os limites a partir dos quais o aquecimento global causará danos irreversíveis, estão também a compreender que é possível desencadear pontos de viragem positivos, que nos ajudarão a travar os efeitos nefastos da mudança do clima.

É agora muito provável que, pontualmente, a temperatura global do planeta seja 1,5 graus acima do que era antes da Revolução Industrial. Este ano, se a tendência continuar como até aqui, 2023 deve ser o mais quente desde que se fazem registos e, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a temperatura média será pelo menos 1,4 graus acima dos valores de referência.

Mas isto não significa que o nosso rumo seja irreversível, defende uma equipa de cientistas da Instituto de Sistemas Globais da Universidade do Exeter, no Reino Unido, num comentário publicado esta sexta-feira na revista One Earth.

Há 50% de hipóteses de conseguirmos restringir o aquecimento global a 1,5 se chegarmos à neutralidade carbónica em 2035 – se tirássemos tanto carbono da atmosfera como o que emitimos. Se só em 2050 alcançarmos as emissões nulas, haveria 90% de chances de estabilizar em 2100 o clima em dois graus acima dos valores anteriores à Revolução Industrial. É nesse sentido que vai o texto final da cimeira do clima das Nações Unidas, a COP28, que terminou esta semana no Dubai.

As emissões actuais de gases com efeito de estufa, no entanto, põem-nos em rota para um aquecimento global na ordem dos três graus no fim deste século.

Mas é possível fazer com que a descarbonização da economia mundial chegue a níveis suficientes para minimizar os períodos em que a temperatura está acima de 1,5 graus, o primeiro limite considerado no Acordo de Paris, diz o artigo.

“Com as actuais taxas de emissões [de gases com efeito de estufa, que causam as alterações climáticas], podemos aproximar-nos de um aquecimento global de 1,5 graus. Múltiplos sistemas de não-retorno, como os mantos de gelo da Gronelândia e da Antárctida Ocidental, a Convenção do Mar de Labrador-Irminger, e os corais de baixa altitude podem ser accionados com um aquecimento entre um e dois graus”, escrevem os cientistas na One Earth.

Uma questão de velocidade

É preciso compreender se há marcha-atrás ou não. “Há uma necessidade premente de determinar se é possível ultrapassar durante um breve período os limites de temperatura e evitar as consequências”, defende a equipa.

O derretimento dos gelos da Gronelândia e o colapso dos corais começam quando a temperatura está nos mesmos valores, mas a velocidade com que decorrem estes fenómenos é muito diferente. E isso é fundamental para determinar se será possível conter as consequências mais danosas das alterações climáticas, ou permitir que estes sistemas resistam até a temperatura regressar a níveis menos perigosos, contando que conseguimos descarbonizar e tirar dióxido de carbono da atmosfera.

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Carregamento de carros eléctricos: a Noruega conseguiu que o share do mercado de carros eléctricos subisse de 10% para 90% numa década Matilde Fieschi

Nos recifes de coral, as perdas irreversíveis podem ocorrer em meses ou anos. No derretimento dos gelos, a escala temporal passa para décadas, ou séculos. “Isto permitiria que o aquecimento global ultrapassasse os limites e regressasse abaixo dos 1,5 graus até 2050, sem haver um colapso”, notam os cientistas.

Há um motivo de esperança, dizem: “Muitos dos limites de viragem que podem ser cruzados primeiro são sistemas lentos”, como o derretimento dos gelos, comentou Paul Ritchie, o primeiro autor do artigo, citado num comunicado da Universidade do Exeter.

Outros sistemas de viragem rápida, como as florestas Amazónica e boreal, o sistema das monções e o permafrost (solo permanentemente gelado), suportam um nível de aquecimento mais elevado. Poderiam, portanto, tolerar melhor os episódios ocasionais em que a temperatura subisse acima dos limites do Acordo de Paris.

Fundamental para dilatar a janela de oportunidade para evitar o colapso destes sistemas da Terra é travar as emissões de dióxido de carbono. “Para evitar que se desencadeiem pontos de viragem climáticos, é crítico que haja uma descarbonização rápida. Isto para que a temperatura não dispare muito para lá dos limites. “E, ainda mais importante, minimizar o tempo que dura essa alteração”, afirmou Paul Ritchie.

Ironicamente, uma forma de conseguir uma rápida descarbonização é criar pontos de viragem, notou Jesse Abrams, outro autor do artigo. “Momentos em que mudanças benéficas ganham rapidamente impulso”, explicou.

É esta a chave do título do comentário na One Earth: os pontos de viragem podem ser tanto problema como solução.

Um exemplo é a Revolução Industrial: sim, foi aí que começou o nosso problema com as emissões de gases com efeito de estufa e as alterações climáticas. Mas a Revolução Industrial do século XVIII foi impulsionada por uma série de reacções em cadeia positivas, entre a inovação e a adopção de novas tecnologias a uma economia de escala que potenciaram mais avanços tecnológicos e económicos, explicam os cientistas.

“Hoje também há vários pontos de viragem positivos que podem minimizar as alterações climáticas”, defendem. O crescimento na geração de electricidade fotovoltaica e do mercado de veículos eléctricos, de que é exemplo o que aconteceu nos países escandinavos, são dois deles.

“Sob condições favoráveis, como terem preços acessíveis e serem veículos atraentes, a Noruega conseguiu fazer a transição para um share do mercado de veículos eléctricos de menos de 10% para 90% em apenas uma década”, sublinhou Tim Lenton, como exemplo de um ponto de viragem positivo.