São drogas ilícitas que podem ter benefícios terapêuticos. SICAD decidiu avaliá-las

SICAD divulga dossier sobre a utilização das substâncias psicadélicas no tratamento da saúde mental.

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Estas substâncias utilizadas num contexto clínico, num ambiente controlado e com acompanhamento médico, podem ter outra finalidade e resultados. Nuno Ferreira Santos
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Cetamina, MDMA, psilocibina ou cannabis têm em comum o facto de serem drogas ilícitas e de possuírem propriedades terapêuticas. Como o potencial destas substâncias está a ser alvo de várias experiências, cujos resultados têm sido promissores, o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências (SICAD) organizou um dossier temático que aborda os indícios científicos, os riscos associados à sua utilização e o estado actual do conhecimento sobre a sua administração clínica.

João Goulão, director-geral do SICAD, explica que a publicação Drogas: Utilizações Terapêuticas se deve à actualidade do tema, que reúne a opinião de vários especialistas e se destina a profissionais e ao público em geral. “É importante que estas experiências sejam enquadradas”, observa”, e que produzam conhecimento científico que confirme ou não a bondade destas substâncias”. Estamos a falar de algumas substâncias que são utilizadas de forma recreativa, mas que, utilizadas num contexto clínico, num ambiente controlado e com acompanhamento médico, podem ter outra finalidade e resultado.

Entre as substâncias com efeitos psicadélicos, a cetamina é das que mais têm sido estudadas em Portugal. As suas propriedades antidepressivas, quando conjugadas com suporte psicológico ou integradas numa psicoterapia, estão a ser experimentadas em pacientes com depressão resistente ao tratamento no Hospital Beatriz Ângelo, desde 2021, e no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, desde 2022. O mesmo deverá ter lugar, em breve, no Hospital de Magalhães Lemos e no Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto.

O que os estudos têm sugerido até aqui é que estas substâncias psicadélicas indiciam alguma eficácia em estados psiquiátricos mais graves, nos quais as terapias (farmacológicas ou psicoterapêuticas) convencionais não têm obtido os mesmos resultados. Caso o seu potencial se confirme, é natural que algumas delas sejam aprovadas, por exemplo, no tratamento de perturbações de stress pós-traumático ou na depressão resistente.

Pedro Mota, psiquiatra e um dos autores deste dossier, explica: “A psicoterapia assistida por psicadélicos distingue-se dos métodos terapêuticos convencionais por ser simultaneamente farmacológica e psicológica”. “Após uma adequada avaliação médica para explorar a potencial elegibilidade dos pacientes e de forma a serem excluídas eventuais contra-indicações”, prossegue, “são cumpridas três fases principais e universalmente estabelecidas: preparação, dosagem e integração. Presentemente, ainda não existe evidência científica suficiente para ter sido gerada a aprovação para o uso clínico de qualquer substância psicadélica pelas entidades reguladoras”. Isto significa que as intervenções em curso devem ser “consideradas ainda experimentais”.

“Mais um recurso”

João Goulão ressalva que, neste caso, o SICAD optou por lançar um desafio à comunidade científica e académica não sobre os riscos e danos das substâncias psicadélicas, mas sobre os benefícios terapêuticos de algumas drogas ilícitas, nomeadamente no tratamento de algumas dependências.

Esse desafio, diz o director-geral do SICAD, decorre da “integração do uso de psicadélicos nos sistemas de saúde” e de um contexto onde sobressaem uma “crescente procura de novas formas de espiritualidade, o incremento do movimento new age e da indústria da auto-ajuda, e o constante aparecimento de novas medicinas alternativas, etc.”.

O melhor exemplo disso é a ayahuasca, uma mistura usada pelas populações amazónicas como medicina herbal para fins terapêuticos e mágico-religiosos. A investigação clínica sobre os seus efeitos terapêuticos é “ainda muito incipiente”, mas “existe já extensa evidência na literatura de que é farmacologicamente segura em utilizadores saudáveis”, escrevem os autores do respectivo capítulo.

“Ensaios clínicos abertos e ensaios clínicos ‘randomizados’ [aleatórios] têm demonstrado a eficácia da ayahuasca enquanto antidepressivo de acção rápida”, notam Maria Carmo Carvalho, Mafalda Pinto Ribeiro, Rute Rocha, Adam Aronovich e Debora Gonzalez.

Vasco Calado, da Divisão de Estatística e Investigação do SICAD, refere que estas substâncias podem ser mais um “recurso terapêutico à disposição de clínicos e pacientes, o que potencialmente se traduzirá no aliviar do sofrimento de pessoas que lidam com problemas complicados e que, muitas vezes, não conseguem resolver”. Mas, ressalva, para isso é necessário que os psicadélicos em causa cumpram “todas as etapas do processo de aprovação por parte das autoridades competentes”.

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