COP28 fala no fim da era dos combustíveis fósseis: “O pacote não é perfeito, mas...”

Depois de uma primeira versão muito criticada, o novo acordo climático refere o abandono dos combustíveis fósseis. Agora, falta conseguir o consenso de todos os países para aprovar o texto.

Foto
Presidente da COP28, Sultan Ahmed Al Jaber, após a divulgação de um novo projecto de acordo de negociação na COP28, esta quarta-feira Reuters/AMR ALFIKY
Ouça este artigo
00:00
05:04

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A presidência da COP28 divulgou esta quarta-feira uma proposta de texto para um acordo climático final que, pela primeira vez, pressionaria as nações a abandonarem os combustíveis fósseis para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas. Ainda não são conhecidas as reacções de muitos países mas há já quem assinale que "o pacote não é perfeito", mas pode ser um passo em frente importante. Falta, no entanto, aprovar o texto.

O projecto pretende reflectir a opinião consensual de quase 200 países reunidos na conferência no Dubai, onde muitos governos insistiram numa linguagem forte para assinalar um eventual fim da era dos combustíveis fósseis - apesar dos protestos dos membros do grupo produtor de petróleo OPEP e dos seus aliados.

"É a primeira vez que o mundo se une em torno de um texto tão claro sobre a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis. Este tem sido o elefante na sala. Finalmente, abordamo-lo de frente", afirmou o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega, Espen Barth Eide.

André Correa do Lago, negociador chefe do Brasil para o clima, afirmou: "Penso que devemos aprová-lo". O enviado da China para o clima, Liu Zhenmin, disse que o texto não é perfeito. "Ainda há algumas questões em aberto", afirmou, sem entrar em pormenores.

Os representantes dos países foram convocados para o que a Presidência da COP28 espera que seja uma reunião final na manhã desta quarta-feira, onde poderão aprovar o acordo e pôr fim a duas semanas de negociações difíceis que se prolongaram por mais de um dia.

Os acordos alcançados nas cimeiras da ONU sobre o clima têm de ser aprovados por consenso, altura em que cada país é responsável por cumprir os acordos através de políticas e investimentos nacionais.

O acordo proposto apela especificamente à "transição dos combustíveis fósseis para os sistemas energéticos, de uma forma justa, ordenada e equitativa (...) de modo a atingir o zero emissões líquidas até 2050, de acordo com a ciência".

Apela também à triplicação da capacidade de produção de energia renovável a nível mundial até 2030, à aceleração dos esforços para reduzir o carvão e à aceleração de tecnologias como a captura e armazenamento de carbono, que podem limpar as indústrias difíceis de descarbonizar.

A estreia que se esperava

Se for adoptada, será a primeira vez, em três décadas de cimeiras sobre o clima, que as nações concordam em abandonar o petróleo, o gás e o carvão, que representam 80% da energia mundial. Os cientistas afirmam que os combustíveis fósseis são, de longe, a maior fonte de emissões de gases com efeito de estufa que estão na origem das alterações climáticas.

O enviado do Quénia para as alterações climáticas, Ali Mohamed, disse à Reuters que o acordo proposto é aceitável: "A nossa avaliação é que podemos viver com este texto".

Rachel Cleetus, directora de políticas da Union of Concerned Scientists, congratulou-se com a proposta, mas salientou que esta não obriga os países ricos a disponibilizarem mais financiamento para ajudar os países em desenvolvimento a abandonarem os combustíveis fósseis.

"As disposições relativas ao financiamento e à equidade são seriamente insuficientes e devem ser melhoradas nos próximos tempos, a fim de garantir que os países de baixo e médio rendimento possam fazer a transição para as energias limpas e colmatar o fosso da pobreza energética", afirmou.

Oposição da OPEP?

Porém, ainda não ficou imediatamente claro se o acordo proposto vai obter apoio suficiente para ser adoptado. O Secretário-Geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Haitham Al Ghais, afirmou numa carta datada de 6 de Dezembro dirigida aos membros e aliados da OPEP presentes na COP28 que o mundo deveria visar as emissões e não os combustíveis fósseis, apelando à sua oposição a qualquer acordo que vise o petróleo.

Os países da OPEP controlam, em conjunto, cerca de 80% das reservas mundiais comprovadas de petróleo e cerca de um terço da produção mundial de petróleo, e os seus governos dependem fortemente das receitas.

Os produtores de petróleo têm argumentado que os combustíveis fósseis podem ser limpos do seu impacte climático através da utilização de tecnologia capaz de capturar e armazenar as emissões de dióxido de carbono. No entanto, a captura de carbono é dispendiosa e ainda não foi comprovada à escala.

Negociadores e observadores nas conversações da COP28 disseram à Reuters que, embora a Arábia Saudita tenha sido o mais forte opositor da linguagem anticombustíveis fósseis no texto, outros membros da OPEP e da OPEP+, incluindo o Irão, o Iraque e a Rússia, também resistiram. Os representantes da delegação da Arábia Saudita ainda não responderam aos pedidos de comentário.

Nações insulares falam em "lacunas"

A Aliança dos Pequenos Estados Insulares, que tem vindo a exercer pressão para que seja adoptada uma linguagem forte para abandonar os combustíveis fósseis, afirmou, em comunicado, que o acordo proposto apresenta lacunas que "constituem uma grande preocupação para nós".

Os representantes de outros países afirmaram que a proposta é suficientemente boa para ser adoptada. "O pacote não é perfeito, nenhum texto da ONU o é", afirmou o Ministro do Ambiente do Canadá, Steven Guilbeault.

"Mas, como alguém que está neste espaço há mais de 20 anos, vejo uma visão em torno da qual nos podemos unir para manter o 1,5C dentro do alcance e proteger as pessoas e os ecossistemas", acrescentou Guilbeault.