O presidente da COP28 no Dubai, Sultan Al Jaber, considerou o acordo no texto do balanço global da aplicação do Acordo de Paris “um pacote histórico” de medidas que garantem “um plano robusto” para manter o aquecimento global no limite de 1,5 graus. O enviado especial norte-americano para o clima, John Kerry, definiu este momento também como “histórico”. “Estou impressionado com o espírito de cooperação que uniu todos”, disse Kerry, citado pela Reuters.
Mas há quem não esteja satisfeito com a linguagem que apela a que as partes contribuam para uma “transição para o abandono dos combustíveis fósseis nos sistemas energético”, mas sem mencionar especificamente ou calendarizar o fim do uso do carvão, petróleo e gás natural.
“Ter as palavras ‘combustíveis fósseis’ no texto é um importante sinal político, mas fica muito distante do resultado ‘histórico’ que todos estávamos à espera – é o mais fraco que poderíamos ter conseguido, e tem todas as palavras intencionalmente vagas lá colocadas para nos enganar, e ainda é muito dependente de todas as tecnologias ainda não demonstradas que devemos evitar”, comentou Alex Rafalowicz, director executivo da iniciativa do Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis.
O presidente da COP28, Sultan Al Jaber, aprovou o texto antes de ouvir declarações dos países, ao contrário do que deveria acontecer, num movimento súbito, evitando um longo dia de debates, explica o Guardian. Isto aconteceu na cimeira do tratado da biodiversidade, a COP15, em Montreal, em Dezembro passado, sob presidência chinesa, perante objecções de alguns países africanos.
Desta vez, o documento final da COP28 foi aprovado quando não estava no plenário a Aliança dos Pequenos Estados Insulares – aqueles que teriam maiores objecções ao acordo. “Não queríamos interromper a ovação, mas estamos confundidos. Parece que deu a decisão como aprovada e os pequenos Estados insulares não estavam na sala”, disse a principal negociadora da Samoa, Anne Rasmussen, citada pelo Guardian. “O processo falhou para nós”.
O texto tem alguns elementos bons, reconheceu Rasmussen. “Somos favoráveis à tecnologia. A questão é se será suficiente. Chegámos à conclusão de que não bastará para corrigir o sentido do caminho que estamos a percorrer. Não basta referir a ciência e depois ignorar o que a ciência nos está a dizer que é preciso fazer”, afirmou.
Para a Arábia Saudita, identificada como um dos grandes bloqueios para que a saída dos combustíveis fósseis fosse explicitada no documento da avaliação do Acordo de Paris - sendo o país mais influente da Organização dos Países Produtores de Petróleo, que durante a COP28 divulgou uma carta aberta denunciando o que considerava serem pressões "indevidas e desproporcionadas sobre a indústria petrolífera" - o documento é "agradável".
Foi assim que uma "fonte familiarizada com o pensamento saudita" classificou o acordo, segundo a Reuters. O documento fornece um "menu" para que cada país siga o seu próprio caminho para a transição energética, disse essa fonte. Essa era uma das críticas feitas pelos analistas quando foi divulgada a primeira versão do documento, considerada inaceitável por muitos, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia: "Não apresenta um mapa para a neutralidade climática, deixa que cada um escolha o caminho que quiser”, comentou na segunda-feira David Waskow, do World Resources Institute.
Ver o copo meio cheio
Também houve quem visse o copo meio cheio, ou seja, preferisse enaltecer os avanços que, apesar de tudo, este acordo representa. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, sublinhou que a declaração reconhece, “pela primeira vez”, a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis "depois de muitos anos em que o debate sobre esta questão esteve bloqueado”.
“A ciência diz-nos que é impossível limitar o aquecimento global a 1,5 graus sem eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis dentro de um prazo compatível com este limite. Este facto foi reconhecido por uma coligação crescente e diversificada de países”, afirmou Guterres, citado pela Lusa.
O acordo global da COP28 reafirma “claramente” a necessidade imperativa de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius, exigindo reduções drásticas das emissões globais de gases com efeito de estufa, disse Guterres após a adopção do documento no plenário da cimeira.
“Quero dizer que a saída dos combustíveis fósseis é inevitável, gostem ou não. Esperemos que não chegue tarde demais”, sublinhou Guterres, acrescentando que "o mundo não pode permitir-se atrasos, indecisões ou meias medidas”.
O ministro do Ambiente canadiano, Steven Guilbeault, acredita que o texto final oferece "oportunidades para acções de curto prazo" e impulsiona "uma transição segura, acessível, limpa, compatível com 1,5 graus Celsius [limite ambicionado pelo Acordo de Paris]. "O texto tem compromissos inovadores sobre energia renovável, eficiência energética e transição para o fim dos combustíveis fósseis", referiu Guilbeault, citado pela Reuters.
Reacções na União Europeia
Do lado da União Europeia, que faz parte da aliança de Estados que defende a saída dos combustíveis fósseis, as reacções também foram positivas. “O mundo acaba de adoptar uma decisão histórica na COP28 para pôr marcha uma transição irreversível e acelerada que nos afaste dos combustíveis fósseis”, disse, no X (ex-Twitter), o comissário europeu com a pasta do Clima, Wopke Hoekstra.
Duarte Cordeiro, o ministro do Ambiente e da Acção Climática de Portugal, mostrou-se satisfeito com o resultado, acreditando que a reformulação da linguagem no texto final do acordo traduz a ideia de eliminação gradual do petróleo e do gás.
“Há uma linguagem [sobre o] fim dos fósseis. Há a linguagem do transitioning away, portanto, afastar-nos dos combustíveis fósseis - que na nossa interpretação, vale tanto como a linguagem do phasing out [ou seja, eliminar gradualmente]. Sabemos que, diplomaticamente, às vezes há a capacidade bloquear determinadas expressões, mas nós assumimos na União Europeia que o transitioning away é sair da era dos combustíveis fósseis”, afirmou ao PÚBLICO Duarte Cordeiro.
“Feito!!! Acordo mostra que Paris está vivo e podemos ir mais além!”, disse, enfaticamente a ministra do Ambiente da Espanha, Teresa Ribera, que conduziu as negociações por parte do Conselho Europeu, partilhando um vídeo do momento em que o plenário irrompeu numa ovação em pé, após aprovado o documento.
“Estamos aqui num país petrolífero, rodeados por países petrolíferos, e tomámos a decisão de nos afastarmos do petróleo e do gás”, afirmou o ministro do clima e da energia da Dinamarca, Dan Jorgensen.