Inquérito revela que quase metade das vítimas de violência sofreu violação sexual
Estudo da Universidade do Minho conclui que, de um universo de 715 pessoas vítimas de violência interpessoal, 45% já sofreram alguma forma de violência sexual.
Um inquérito promovido pela Universidade do Minho concluiu que 45% das vítimas de violência interpessoal já foram agredidas sexualmente. Partindo de uma inquirição a 715 pessoas com historial de vitimação, os dados, que agregam vítimas de abuso sexual desde a infância à idade adulta, mostram que, entre aquelas que estão a ser apoiadas pelas instituições, 73% do total das mulheres inquiridas e 47% do total dos homens inquiridos admitiram já ter sofrido algum tipo de violência ou abuso sexual.
O inquérito, que faz parte de um projecto que se debruçou sobre a violência interpessoal, com especial incidência sobre a violência doméstica e a violência contra as mulheres, será conhecido integralmente nos próximos meses, mas parte dos seus resultados foi adiantada ao PÚBLICO pela coordenadora, Mariana Gonçalves.
A investigadora do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho considerou o valor de 45% da amostra da violência sexual “preocupante”, destacando que “há claramente um maior número de mulheres a relatarem” os abusos, mas que “os padrões de vitimação são graves nos homens” e “muito semelhantes” em ambos os géneros.
O inquérito para o projecto intitulado Exploring Intersectionality of Violence Against Women and Domestic Violence: Needs, Impact and Services Effectiveness foi realizado ao longo dos últimos dois anos e partiu de um estudo quantitativo, baseando-se nos referidos inquéritos a 715 pessoas, com uma média de idades de 35 anos, que estão a ser ou já foram apoiadas por instituições de apoio à vítima, e a 503 profissionais do sistema de protecção à vítima em Portugal.
As vítimas de violência interpessoal já sofreram algum tipo de discriminação em instituições de apoio e de acolhimento, mostram os dados recolhidos para este estudo financiado pela Fundação "La Caixa". A discriminação foi sentida por um terço dos inquiridos em instituições de apoio à violência doméstica e por um quarto entre os que estavam em instituições de acolhimento.
A investigadora refere que a discriminação das vítimas se deve ao facto de se “sentirem tratadas com menos respeito do que deviam” pelos profissionais do sistema de protecção, ressalvando que os “próprios trabalhadores” identificam “algumas lacunas na sua formação que não lhes permite lidar bem com estas realidades”.
Do total dos inquiridos, 9% são pessoas transgénero e 40% são imigrantes ou estrangeiros a viver em Portugal há mais de dez anos. Entre os inquiridos da comunidade LGBTQI+, Mariana Gonçalves lembra as várias “formas de violência” sofridas por estas pessoas. “Sofrem microagressões relacionadas com as questões da sua identidade de género e da sua orientação sexual. Nestes casos, a violência familiar é ainda mais prevalente.”
Sobre esta realidade, também os profissionais do sistema de protecção à vítima em Portugal reconhecem “maior dificuldade em trabalhar com pessoas da comunidade LGBTQI+ e de minorias étnicas e imigrantes”, porque estas acarretam “exigências acrescidas quanto às competências culturais que estão abaixo do que era esperado” por parte dos profissionais.
Entre os inquiridos, há também a intersecção com pessoas com um quadro psicopatológico “muito elevado”. E a formação dos profissionais que lidam com estas situações é insuficiente, argumentou ainda a responsável. Dos resultados conhecidos, Mariana Gonçalves realçou ainda um outro dado significativo: 66% dos inquiridos já sentiram discriminação na comunidade, “entre amigos, no trabalho, por conhecidos e desconhecidos”.