Ana Paula Martins deixa conselho de administração do Hospital Santa Maria

A antiga bastonária dos Farmacêuticos tinha assumido o cargo a 1 de Fevereiro deste ano e sairá no início de 2024. Foi a primeira nomeação da Direcção Executiva do SNS para a liderança de um hospital.

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Ana Paula Martins, presidente do Centro Hospitalar Universitario Lisboa Norte, deixará essa função no início do próximo ano Matilde Fieschi (arquivo)
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Ana Paula Martins vai deixar o cargo de presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN), a que pertencem os hospitais Santa Maria e Pulido Valente, no início do próximo ano, sabe o PÚBLICO. A antiga bastonária dos Farmacêuticos tinha assumido o cargo a 1 de Fevereiro deste ano. A sua equipa integra ainda o médico Rui Tato Marinho, como director clínico, José Abrantes, como enfermeiro director, e André Ferreira e Catarina Baptista, como vogais.

O CHLN confirmou já esta segunda-feira à noite, em comunicado, que Ana Paula Martins pediu a demissão, "após profunda reflexão pessoal", por entender que o seu mandato “se esgota com a extinção do Centro Hospitalar de Lisboa Norte e a criação da ULS [Unidade de Saúde Local]”, prevista para 1 de Janeiro do próximo ano.

A farmacêutica foi a primeira nomeação da Direcção Executiva do SNS (DE-SNS) para a liderança de um hospital. O seu nome foi conhecido no final de 2022, numa altura em que o Hospital de Santa Maria foi notícia por longos tempos de espera na urgência. Substituiu Daniel Ferro no cargo de presidente do conselho de administração, que já tinha terminado o mandato no final de 2021.

A escolha de Ana Paula Martins foi uma surpresa, já que nunca tinha ocupado funções de gestão hospitalar e era militante do PSD, tendo sido vice-presidente do partido durante alguns meses, quando o líder era Rui Rio. Antes de assumir o cargo, era directora dos Assuntos Governamentais da farmacêutica Gilead Sciences em Portugal.

Com a passagem do modelo de gestão dos hospitais para Unidades Locais de Saúde (ULS) em Janeiro, os mandatos dos actuais conselhos de administração terminam. Mas o expectável seria que Ana Paula Martins e a restante equipa se mantivessem no conselho de administração, tendo em conta que foram nomeados há menos de um ano. O PÚBLICO sabe que o anúncio da não continuidade à frente da gestão do CHLN foi feito internamente, nesta segunda-feira, numa reunião de dirigentes, em que assumiu que se manterá no período de transição para uma nova administração.

Do que foi possível apurar, a decisão está relacionada com a discordância de Ana Paula Martins face à criação da nova ULS e sobretudo do financiamento do novo modelo, que levou a dirigente a considerar que não é elegível para assumir o cargo de presidente do conselho de administração.

De facto, no discurso do 69.º aniversário do Hospital de Santa Maria, Ana Paula Martins fez um pequeno balanço do primeiro ano à frente do conselho de administração. E, num discurso em que enfatizou as “obras marcantes para o futuro” que ajudou a desenvolver, como a nova maternidade, a radioterapia flash, a aposta na cirurgia robótica e a criação de bolsas de investigação internas, a dirigente referiu-se ao futuro modelo de gestão com declarado cepticismo, ao sustentar que, na saúde, “​o risco da simplificação pode destruir uma obra de décadas e uma visão para o futuro”​.

Para Ana Paula Martins, o modelo de gestão das ULS — que coloca sob a mesma administração hospitais e centros de saúde — precisa, “pelos riscos e oportunidades que comporta”, de quem “acredite nele” e tenha “capacidade de juntar duas culturas diferentes na mesma gestão”. Não será o seu caso, como deixou claro quando considerou que, na sua óptica, o novo modelo mais não faz do que antecipar uma degradação dos resultados económico-financeiros que põem em causa “uma gestão proactiva e eficiente e a capacidade de investimento para os próximos anos”.

Contactado pelo PÚBLICO, o CHLN não quis fazer comentários, mas fonte do hospital negou que tenha havido convites por parte do PSD à ainda presidente do conselho de administração. O PÚBLICO enviou vários perguntas por email, aguardando resposta.

Início atribulado

A antiga bastonária dos Farmacêuticos não teve uns primeiros meses fáceis à frente da gestão do CHLN — um centro hospitalar com um orçamento anual da ordem dos 500 milhões de euros e mais de 6600 funcionários — muito por causa das anunciadas obras para a nova maternidade no Hospital de Santa Maria.

A urgência, o bloco de partos e o internamento estão encerrados desde Agosto e a previsão é a de que reabram em Março de 2024 — na sequência de obras mais profundas do que as previstas no plano inicial. O novo projecto foi criticado pelo então director do departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina de Reprodução, que foi afastado, assim como a directora do serviço de obstetrícia.

Pouco tempo depois, vários profissionais do serviço solidarizaram-se com os dois directores e apresentaram minutas para a não realização de mais horas extraordinárias além das 150 anuais previstas na lei e contestaram a deslocação das equipas para o Hospital de São Francisco Xavier, onde actualmente estão a trabalhar por ser a unidade para onde estão a ser referenciadas as grávidas tratadas no Hospital de Santa Maria.

A situação criou constrangimentos na constituição das escalas das equipas nas urgências, levando a Ordem dos Médicos a considerar que não estavam reunidas as condições necessárias para que o serviço se mantivesse aberto.

Mais recentemente, o Hospital de Santa Maria tem sido notícia por causa do tratamento dado às gémeas luso-brasileiras que têm atrofia muscular espinhal. As meninas foram tratadas com o Zolgensma em 2020, suspeitando-se de que a primeira consulta possa ter sido facilitada por alegada interferência do poder político, num caso que envolve o filho do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. O caso é anterior ao início da gestão de Ana Paula Martins, mas a responsável foi chamada à Comissão Parlamentar de Saúde para prestar declarações sobre o assunto.

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