Urgências, consultas, e cirurgias: o drama holístico da ineficiência hospitalar

Pegando no caso particular da saúde, é fácil compreender que o nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS) é mais do que a soma das suas partes. Esta máquina está rodeada por uma envolvente mais complexa.

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Megafone P3: Urgências, consultas, e cirurgias: o drama holístico da ineficiência hospitalar Tiago Lopes
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A natureza intrinsecamente multidimensional do ser humano, como indivíduo e como parte da uma rede maior que o próprio, constituída por outros seres humanos e em conjunto com o ambiente que os rodeia, é vista hoje em dia de uma forma menos mecanicista e mais humanista.

O choque ‘subjectivo’ versus ‘objectivo’ na procura por conhecimento e na forma como nos relacionamos uns com os outros tem vindo a marcar progressivamente a nossa evolução como espécie, culminando naquilo que agora descrevemos como uma realidade holística.

Filosoficamente, o holismo caracteriza-se pelo facto de um “todo” não poder ser explicado apenas pela soma das “partes” que o constituem – é a interconexão entre as “partes” que explica o “todo”. Medicamente, uma abordagem holística ao tratamento de um paciente procura tratar mais do que apenas os seus sintomas através da integração de dimensões físicas, mentais, sociais, e até espirituais.

Pegando no caso particular da saúde, é fácil compreender que o nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS) é mais do que a soma das suas partes. De facto, esta máquina intrincada tem inúmeras peças a vários níveis e está rodeada por uma envolvente ainda mais complexa. No entanto, colocando agora de parte dimensões sociais, económicas, e políticas, vamos focar-nos apenas numa das suas peças: os hospitais públicos.

Sabe-se que os hospitais do SNS são responsáveis por mais de 50% da despesa pública em saúde. Ainda assim, o acesso aos e a qualidade dos serviços por eles prestados nem sempre parecem ser os melhores (e não é pela falta de resiliência dos profissionais de saúde).

Precisamos então de olhar para as peças dentro dos hospitais e perceber não só onde podem estar as causas para o emperrar das máquinas, mas também como ir de encontro ao “r-r-r-r-r-r-r eterno” das engrenagens de Álvaro de Campos.

Assumindo que um hospital tem cinco serviços essenciais – internamento, bloco operatório, cirurgia ambulatória, consultas, e urgências –, é possível medir a eficiência das “partes” e do “todo” e ver se ambos conferem. Este estudo foi feito aqui.

De uma amostra de 27 hospitais públicos portugueses: 59% possui um serviço de internamento eficiente, 41% possui um serviço de bloco operatório eficiente, 22% possui um serviço de cirurgia ambulatória eficiente, 52% possui um serviço de consultas eficiente, e 56% possui um serviço de urgências eficiente. Globalmente, 1/3 dos hospitais é eficiente, mas apenas 15% o é com os seus cinco serviços também eles eficientes. Assim se comprova o holismo dos hospitais públicos nacionais.

Numa altura em que se discutem atrasos nas consultas, adiamentos de cirurgias, e o uso irracional das urgências, estes números dão que pensar. Por um lado, o uso eficiente dos custos com materiais clínicos e outsourcing contrasta com a má gestão dos custos com staff. Por outro lado, os números de cirurgias urgentes e urgências são preocupantes. Está claro que o problema não são as pessoas – é a organização.

Apesar de tudo o que foi feito em termos de reformas das várias “partes” do “todo” que é o SNS, ainda há muito a fazer. Certo é que isso poderia ser bem mais fácil, já que existem formas de identificar, com bases científicas, o que está mal e como se pode melhorar.

Tudo depende da vontade das dimensões políticas, económicas, e sociais que pusemos de lado há pouco, mas deixamos isso para outra altura.

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