Proposta do texto final da COP não se compromete com fim dos combustíveis fósseis

Num golpe de malabarismo de palavras, o texto que está a ser negociado na COP28 fala só em “reduzir tanto o consumo como a produção de combustíveis fósseis, de forma justa, ordenada e equitativa”.

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A cimeira do clima da ONU, COP28, decorre até dia 12 de Dezembro no Dubai Reuters/THAIER AL-SUDANI
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A espera foi longa, e ninguém parece contente com o resultado: o esboço mais recente de um dos textos mais esperados da cimeira do clima, o balanço global (global stocktake), inclui uma série de acções que os países podem tomar para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa mas não refere directamente a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis.

O texto proposto pela presidência da COP28, liderada por Sultan Ahmed Al Jaber, para o acordo que espera alcançar no final desta cimeira, deita por terra uma das maiores exigências feitas por ambientalistas, organismos científicos e líderes mundiais, incluindo o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres: um compromisso com o fim dos combustíveis fósseis.

A presidência da COP28, liderada por Sultan Al Jaber, considera esta versão preliminar do acordo final da cimeira como "um enorme passo em frente".

"A presidência da COP28 tem sido clara desde o início sobre as nossas ambições. Este texto reflecte essas ambições e constitui um enorme passo em frente", afirmou a presidência em comunicado. "Agora está nas mãos das partes, em quem confiamos para fazer o que é melhor para a humanidade e para o planeta".

No foco das atenções está ao artigo 39 do texto, em que se reconhece "a necessidade de reduções profundas, rápidas e sustentadas das emissões de GEE", apelando às partes para que tomem medidas nesse sentido.

Segue-se uma lista que passa por itens como "triplicar a capacidade de produção de energia renovável a nível mundial e duplicar a taxa média anual global de melhoria da eficiência energética até 2030" e a "rápida eliminação progressiva do carvão sem 'abatimento' e a limitação da autorização de novas instalações de produção de energia a carvão sem 'abatimento'". "Abatimento" é uma palavra que continua por definir ao certo (algo que também pode criar mais problemas), mas refere-se em geral ao recurso a tecnologias de captura de carbono.

O texto apela ainda a uma "aceleração dos esforços" a nível mundial no sentido de sistemas energéticos com emissões líquidas nulas, utilizando "combustíveis com emissões de carbono nulas e baixas muito antes ou até meados do século".

Assim, o esboço do potencial acordo sobre o clima oferece várias opções para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, mas não chega à "eliminação progressiva" dos combustíveis fósseis exigida por muitos países.

Para já, o texto apela apenas a "reduzir tanto o consumo como a produção de combustíveis fósseis, de forma justa, ordenada e equitativa, de modo a atingir o valor líquido zero até 2050, antes ou por volta dessa data, em conformidade com os dados científicos" - mas sem nunca referir uma eliminação.

Apela-se ainda a uma aceleração das "tecnologias de emissões nulas e reduzidas", incluindo, entre outras, as energias renováveis, o nuclear, as tecnologias de abatimento e remoção de carbono (como a captura e utilização ou armazenamento de carbono) e a produção de hidrogénio de baixo carbono, "de modo a intensificar os esforços de substituição dos combustíveis fósseis 'sem abatimento' nos sistemas energéticos.

Os países são ainda convidados a "acelerar e reduzir substancialmente as emissões que não sejam de CO2, incluindo, em particular, as emissões de metano a nível mundial até 2030", assim como "acelerar a redução das emissões provenientes dos transportes rodoviários de diversas formas, incluindo o desenvolvimento de infra-estruturas e a rápida adopção de veículos com emissões nulas ou baixas".

No final das contas, o único fim verdadeiramente anunciado é "eliminar gradualmente, o mais rapidamente possível, os subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis, que incentivem o consumo supérfluo e não combatam a pobreza energética ou as transições justas".

Arábia Saudita vence coligação de 100 países?

Uma coligação de mais de 100 países, incluindo os produtores de petróleo e gás dos Estados Unidos, Canadá e Noruega, bem como a União Europeia e as nações insulares vulneráveis ao clima, pretendia um acordo que incluísse uma linguagem para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, um feito que nunca foi alcançado em 30 anos de cimeiras da ONU.

As emissões resultantes da queima de combustíveis fósseis são, de longe, o principal factor de mudança climática. Segundo a Reuters, nas negociações, os Emirados Árabes Unidos terão sido pressionados pela Arábia Saudita para retirar do texto qualquer menção aos combustíveis fósseis. A Arábia Saudita, líder do grupo de produtores de petróleo da OPEP, está entre os principais opositores a um acordo para eliminar gradualmente o petróleo e o gás, disseram à Reuters negociadores e observadores no âmbito das conversações da COP28.

O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul