Afinal, ainda faltam algumas noites longas até terminar a cimeira do clima das Nações Unidas, que este ano acontece no Dubai. A presidência da COP28, liderada pelo ministro Sultan Al Jaber, publicou na tarde desta segunda-feira uma proposta de texto para o balanço global (global stocktake, ou GST), um dos principais documentos que sairá desta cimeira, no qual não se reconhece claramente a necessidade de eliminação dos combustíveis fósseis. Sendo esta uma das grandes expectativas, ninguém ficou contente. Depois de um plenário com todos os países, seguiu-se uma reunião à porta fechada com os representantes das delegações para debater os pontos de maior fricção. Cai, assim, por terra o plano de Al Jaber de concluir a COP28 na terça-feira de manhã.
Apesar da inquietação com os diversos dossiês ainda por fechar, o dia tinha começado com expectativa. O secretário-geral da ONU, António Guterres, regressou ao Dubai para reforçar que a necessidade de “eliminar gradualmente” os combustíveis fósseis é uma chave para o sucesso da COP28. A coligação Beyond Oil and Gas ("além do petróleo e do gás"), que reúne mais de 100 países — incluindo os produtores de petróleo e gás dos Estados Unidos, Canadá e Noruega, bem como a União Europeia e as nações insulares vulneráveis ao clima — apelou a um acordo que incluísse uma linguagem para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, um feito que nunca foi alcançado em 30 anos de cimeiras da ONU.
Entretanto, o aguardado texto do balanço global — o primeiro que é feito desde o Acordo de Paris — tardava em ser publicado. A publicação, prometida para o final da manhã, passou para 13h, depois para as 16h, até que o documento, fechado às 16h30, chegou às mãos dos jornalistas cerca de meia hora depois (por volta das 13h, em Lisboa).
"Decepcionante"
A desilusão era palpável: o texto referia apenas que é preciso reduzir a produção e o consumo de combustíveis fósseis, mas sem nenhum compromisso com o seu fim. O principal problema reside numa das alíneas do artigo 39 do documento, que fala em “reduzir tanto o consumo como a produção de combustíveis fósseis, de forma justa, ordenada e equitativa, de modo a atingir o valor líquido zero até 2050, antes ou por volta dessa data, em conformidade com os dados científicos”.
Segundo negociadores e observadores ouvidos pela Reuters, os Emirados Árabes Unidos terão sido pressionados pela Arábia Saudita, líder do grupo de produtores de petróleo da OPEP, para retirar do texto qualquer menção à eliminação gradual de petróleo e gás.
O comissário europeu para o clima, Wopke Hoekstra, considerou "decepcionante" o rascunho de texto do balanço final (global stocktake) que deverá ser acordado até ao final da COP28, no Dubai, afirmando que a delegação da União Europeia irá dialogar o tempo que for necessário para conseguir as alterações que considera necessárias para combater as alterações climáticas.
"É claramente insuficiente e desadequado para responder àquilo que estamos aqui a tratar", afirmou Wopke Hoekstra. "E não é porque a União Europeia quer, é porque os cientistas são claros sobre o que é preciso. No topo dessa lista está o fim dos combustíveis fósseis", acrescentou o comissário neerlandês, em declarações aos jornalistas junto ao pavilhão da UE na COP28.
Elementos no texto "totalmente inaceitáveis"
Já a ministra espanhola para a transição ecológica, Teresa Ribera Rodríguez – Espanha preside, actualmente, ao Conselho da UE – usou palavras mais firmes: "Há elementos no texto que são totalmente inaceitáveis." Para Ribera, o texto peca ainda por "não deixar de todo claro como é que podemos proceder nestas décadas críticas, em matéria energética". "Seria bom termos mais clareza se queremos fazer desta COP o que mundo precisa e o que é suposto ser", sublinhou a governante, uma das negociadoras mais destacadas da delegação europeia nesta cimeira do clima.
“Se, por um lado, o texto reconhece a importância da ciência e daquilo que são algumas evidências, por outro lado, especialmente da parte da mitigação, não há correspondência em termos de ambição para ir ao encontro do que é reconhecido como fundamental do ponto de vista dos objectivos”, explicou o ministro do Ambiente e Acção Climática, Duarte Cordeiro, antes de entrar para a reunião com os representantes das delegações. É preciso, explica, ir ao encontro do objectivo de atingir o pico das emissões o mais rapidamente possível, tendo em conta que este balanço global — o primeiro desde o Acordo de Paris — “exigia uma alteração de curso”, diz o ministro, sublinhando que é preciso manter “uma ambição que permita limitar o aumento da temperatura até 1,5 graus, dentro do nosso alcance”.
Algumas das declarações mais fortes vieram dos Pequenos Estados-ilha — aqueles que correm o risco de desaparecer por causa das alterações climáticas, quer por causa da subida do nível dos mares, quer por serem mais susceptíveis a consequências da mudança do clima como grandes furacões.
“A República das Ilhas Marshall não veio aqui para assinar a nossa pena de morte. Viemos para lutar pelo objectivo de [um aquecimento global que não ultrapasse] 1,5 graus e a única forma de o conseguir: abandonar os combustíveis fósseis”, afirmou John Silk, o chefe da delegação deste país do Pacífico. “O que vimos hoje é inaceitável. Não vamos marchar silenciosamente para as nossas sepulturas nas águas”, assegurou Silk.
"À beira do fracasso total"
“Inaceitável” foi a expressão que marcou muitas das reacções da sociedade civil à proposta apresentada nesta segunda-feira. “A COP28 está à beira do fracasso total”, escreveu Al Gore, ex-vice-Presidente dos Estados Unidos e activista contra as alterações climáticas, na rede social X (antigo Twitter). “Este é um texto subserviente à Organização dos Países Produtores de Petróleo, como se a OPEP o tivesse ditado palavra a palavra”, declarou.
Já a Climate Action Network (CAN) International, uma rede de centenas de ONG de todo o mundo, nota que "o actual texto do GST tem de ser fortemente revisto" para estar alinhado com a ciência e com princípios de equidade, "mantendo-se em linha com 1,5°C e respondendo às necessidades das pessoas mais vulneráveis".
"Os países desenvolvidos têm de assumir compromissos mais fortes em matéria de equidade, financiamento e adaptação — se não o fizerem, serão responsáveis por um resultado falhado", avisam as organizações, reforçando que o apelo à "redução" dos combustíveis fósseis deve ser substituído por um apelo à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, em conformidade com 1,5ºC.
Agendada para terminar esta terça-feira, 12 de Dezembro — 8.º aniversário da assinatura do Acordo de Paris —, com um entendimento entre as nações, a COP28 ainda não mostra sinais de estar perto de concluir os trabalhos.
O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul